Francesa de origem e herbalista por vocação, Stephanie Loison trocou a agitação de Londres pela serenidade da aldeia de Bravães, onde vive desde 2020. Atraída pela natureza e pelo ritmo mais lento da vida, integrou-se na comunidade através da música, das plantas e do yoga. Encontrou nas tradições locais e nas pessoas que a acolheram um novo sentido de pertença. “É aqui que quero estar”, diz, com a certeza de quem reencontrou o seu lugar no mundo. Eis o seu testemunho.
“Quando viemos ao Minho, sentimos logo: é aqui”
Chamo-me Stephanie Loison, sou francesa e vivo em Bravães desde 2020. Nasci na aldeia de Sarthe, em Le Mans — onde há o circuito das 24 Horas. Cresci no campo, mas não era como aqui. Havia florestas, mas não tinham esta força, esta beleza valente que encontrei em Bravães. Talvez seja a montanha, talvez o verão. Há coisas que não se explicam.
Com 20 anos, fui para Inglaterra. Queria trabalhar e aprender inglês. Fui ficando. Vivi catorze anos em Londres. Trabalhei em gestão de eventos, em escolas de negócios. Mesmo sem ter estudado isso — estudei hotelaria e restauração — lá, tive a oportunidade de crescer profissionalmente. A Inglaterra é um sítio maravilhoso para quem tem vontade de avançar. Mas ao fim de catorze anos, senti-me cansada. O meu companheiro, francês também, não queria voltar para França. E eu queria trabalhar por conta própria, fazer as coisas ao meu ritmo.
Decidimos experimentar Portugal.
Viemos para Lisboa. Passámos lá um ano e meio. Comecei a fazer freelancing, o mesmo trabalho que fazia antes, mas para mim. O Thomas juntou-se a mim. Estava tudo bem, mas faltava-nos qualquer coisa. Percebemos que procurávamos mais verde, mais natureza. Visitámos várias regiões — o Alentejo, o Norte — e quando viemos ao Minho, sentimos logo: é aqui.
Começámos a ver casas. Não posso mostrar agora, mas a nossa está mesmo atrás daquela colina. Escolhemo-la e refizemo-la com as nossas mãos, ao nosso gosto, durante a pandemia. Chegámos em dezembro de 2019. A Covid foi um tempo muito calmo para nós. Trabalhámos os dois na casa, despedimo-nos do resto. Eu continuei com o trabalho online para Inglaterra, um dia e meio por semana — o suficiente para vivermos bem e termos tempo. E foi assim que atravessámos a pandemia.
Quando acabou, demorei algum tempo a recomeçar. Mas no final de 2022, disse para mim mesma: preciso de conhecer pessoas. Portugueses, sim, mas também outras pessoas que tenham vindo parar aqui, como eu. E quando se diz isso, tudo começa a acontecer.
Uma amiga falou-me de um coro em Ponte de Lima. Fui cantar. Conheci várias pessoas — entre elas, a Cristina, que me disse: “Olha, há um concerto dos Gaiteiros mesmo aqui ao lado.” Fui. Era em Bravães, mesmo aqui ao lado, a 15 minutos de minha casa, podia ir a pé. E eu adoro música céltica, achei incrível.
[O bombo] sinto-o no coração. Traz-me à terra. É a base.
Stephanie Loison
Depois desse fim de semana, percebi que queria mesmo conhecê-los. Achei que seria complicado: os ensaios eram às dez da noite, e eu gosto de me deitar cedo… Mas percebi também que aqui as pessoas trabalham muito, e que é ao domingo à tarde que se reúnem para fazer coisas bonitas, como dançar, fazer música.
Uma das pessoas do coro disse-me: “Eu toco caixa com os Gaiteiros, se quiseres, vem comigo.” E foi assim que entrei na escola. Fui falar com a Mariana, que tocava adufe. Disse-lhe: “Tenho um adufe em casa. Posso juntar-me?” E foi assim que comecei. Toquei adufe nessa canção. Depois deixaram-me experimentar a caixa, mas era difícil. O bombo é mais para mim. Sinto-o no coração. Traz-me à terra. É a base.
Desde então, adoro estar com eles. São pessoas maravilhosas. Muito bonitas. Muito gentis. Têm um amor profundo pelo território, pela cultura, pelas tradições.
No ano passado disseram-me: “Vamos a São Gregório.” Eu não conhecia. É uma capela entre Bravães e Lavradas, com uma pedra. Foi assim que aprendi que há romarias, que se vai ao mosteiro, que se sobe com os instrumentos… São coisas que não conhecia e que agora faço com eles, com muito gosto.
Também sou herbalista. Quando cheguei, decidi estudar plantas medicinais. Aqui ainda há flores selvagens — não consigo explicar o porquê, mas isso tocou-me. Este ano fiquei muito triste: espalharam pesticidas em todo o Bravães, coisa que nunca tinham feito. Fui à Junta, falei com o presidente, levei-lhe documentos… Pelo menos consegui que não voltassem a aplicar junto da minha casa. Não me avisaram, não me perguntaram — e eu preciso destas plantas. Gostava de criar passeios para mostrar às pessoas as ervas que as rodeiam, que não são daninhas, que podem curar. Gostava de trabalhar com outras pessoas — como a Maria Mota, também herbalista. Desde que me abri, encontrei gente em todos os domínios que me interessam. É maravilhoso.
Também dou aulas de yoga. Por enquanto, só em inglês. Um dia gostava de dar em português. Mas vai levar tempo. A pronúncia, os verbos — para quem vem de França e depois passou pela Inglaterra, conjugar outra vez é complicado! Aprender numa sala de aula não me ajuda. Eu aprendo com as pessoas. Mesmo que fale pouco, sei sorrir, sei ouvir, sei estar. Eles falam devagar, são super gentis. Isso ajuda mais do que tudo.
O Thomas também gosta de viver aqui. Está mais virado para a casa, para o jardim. Faz cerveja artesanal. Trabalha em casa. E temos boa Internet — muito melhor do que em muitos sítios em França, até perto de Paris. Isso foi uma surpresa.
Temos agora o plano de fazer o Caminho de Santiago, a partir da nossa casa.
Não temos filhos. A minha irmã tem três. A mais velha é deficiente. E parte da vida que escolhi foi para poder estar disponível se precisarem de mim. Eles estão em França. E se for preciso, irei. Mas enquanto não for, fico aqui. É aqui que quero estar. A vida… é aqui.
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