Isilda Mendes tem 61 anos e vive desde sempre em Ferraria de São João, no distrito de Coimbra. Faz workshops de queijo com o leite das suas cabras e ensina a fazer pão em forno a lenha nas instalações da Associação de Moradores. Eis o seu testemunho.
“Gostava mesmo era que a nossa aldeia nunca acabasse”
Nasci há 61 anos aqui mesmo dentro desta casinha [que agora é sede da Associação de Moradores de Ferraria de São João], que antigamente não se ia para as maternidades, nascia tudo em casa! Vivíamos todos aqui numa divisão só. Éramos quatro, que eu tive um irmão, mas morreu com seis meses, de um ataque de meningite. Ficámos só três irmãs, eu sou a mais nova.
Saímos daqui quando eu já tinha dez anos, para ir morar para duas habitações que o meu pai comprou aqui na aldeia. Antigamente as divisões das casas estavam em separado. Era sobrados de um lado, cozinhas do outro. Nós até tínhamos de atravessar a estrada!
Mas vivi sempre aqui na Ferraria. Fui às vindimas, às azeitonas, fiz aquelas viagens para fora da terra, para ganhar algum dinheiro. Numa dessas viagens a minha irmã ainda arranjou um namorado, e foi para o Ribatejo. Mas eu nunca tive vontade de sair de Ferraria de São João. Gosto daqui porque temos bom ar, boa água e boas terras para quem as puder amanhar.
Gostei sempre muito de trabalhar na agricultura. Com oito anos, já andava com um boi ou uma burra a lavrar, com o meu pai. O meu pai a guiar o charrueco, que era uma charrua em ferro, e os bois a puxar para lavrar a terra. Fui habituada sempre a isto, e continuo a gostar de trabalhar na agricultura. Agora é tudo mais fácil, nós até temos um tratorzinho. Já fiz muita coisa na vida, trabalhei em fábricas e tirei muitos cursos de formação – até aprendi a trabalhar nos computadores e a fazer o meu currículo –, mas na agricultura é onde me sinto melhor. Dá-me muito gozo fazer sementeiras e depois ver as coisas a nascer, a crescer, a desenvolverem-se.
Semeio batata, semeio um bocadinho de milho – porque adoro maçarocas assadas! – , semeio feijão, e consigo ter feijão para mim o ano todo. Tenho cebolas, tenho tomate, e faço polpa de tomate para mim e para dar às minhas amigas. E tenho as minhas galinhas, a minha criação, as cabras, que fazem o estrume que vamos depois pôr na terra, é com isso que semeamos as coisas.
Agora já só tenho cinco cabras. A Branquinha, a Gravatinhas, a Estrelinha, a Fofinha e o Chico, que é filho da Branquinha. Mas já tive muitos animais. Criei muitas ninhadas de leitões para vender, e cheguei a ter 45 cabeças de gado, cabras que ordenhava à mão, ia buscar pasto numa burrita, acartei muitos molhos à cabeça. O gado é muito exigente, é preciso tratar dele todos os dias, e não é só uma vez. Por isso nunca tive férias na minha vida. Não sei o que é isso de ir passar uma semana fora.
Mas o que eu gostava mesmo era que a nossa aldeia nunca acabasse. Porque é uma aldeia com história, é uma aldeia muito antiga. E entristece-me ainda ver tantas casas vazias. Antigamente todas estas casinhas, grandes e pequenas, melhores ou piores, eram habitadas. Agora ainda há muitas fechadas, mesmo com os que já compraram para vir para cá ao fim de semana ou só nas férias.
Sabe que, antes, os casais tinham muitos mais filhos do que têm agora. Eram seis, sete, oito. Hoje é só um ou dois. Eu também só tive dois. Tinha um casal, mas a minha filha, infelizmente, já faleceu – porque ma mataram num acidente quando ela tinha 29 anos. Agora só tenho um filho. É emigrante, está na França há 16 anos, pelo menos.
Eu nunca pensei em emigrar. O meu marido, que também nasceu cá na Ferraria, ainda esteve uns anos em Moçambique, e uns meses na França. Mas também voltou logo. Foi andando de pedreiro nas obras por cá. E agora cá vamos indo, os dois, enquanto houver saúde e der para ir fazendo as nossas coisas e tratar dos nossos animais. Quando não conseguirmos, teremos de vender.
Agora comecei a fazer workshops de queijo para quem nos visita. E não é para me gabar mas eu faço o queijo muito bem feito. São já mais de 40 anos a fazer queijo! O segredo é apertá-lo muito bem, para escorrer todo o almécere, para que fique massa e não água. Primeiro põe-se sal, de um lado, depois, dali por umas horas, vira-se e põe-se sal do outro lado, e o queijo não perde a forma. Se for feito por mim e estiver no frigorífico, garanto a toda a gente que durante oito dias não azeda.
Eu gosto muito desses dias, em que há workshops. Só tenho medo desta porcaria que anda para aí agora, este vírus malandro. Porque de resto, fui sempre uma pessoa popular, que gosta de falar com toda a gente.
Diz-se que vão construir um abrigo contra incêndios, para não voltarmos a passar o que foi em 2017. Vamos ter sala de estar, cozinha, tudo equipado, 30 camaratas, um café e uma lojinha para os nossos produtos tradicionais. Eu, se calhar, também lá vou vender os meus. Já começo a ficar velhota, mas até que eu ainda puder e consiga, vou andar por aqui a fazer as minhas coisas.
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