Tem 80 anos e um notável zelo em cuidar das suas oliveiras, da sua horta, dos seus terrenos, do seu quintal. Foi sempre assim, mesmo quando tinha mais áreas para tratar e cabeças de gado à sua responsabilidade. Diz que fazer as coisas bem feitas não tem segredo nenhum: só é preciso gosto e boa vontade. Agora, que a idade não deixa nem o corpo permite, preferiu vender algumas terras do que ter a responsabilidade de não tratar dos terrenos como gostaria. Tem orgulho em fazer “um dos melhores azeites do país”. Eis o seu testemunho.
“Não há segredo nenhum: é só querer fazer as coisas bem feitas”
Chamo-me Augusto Faria, nasci aqui na Serra de Santo António em 1944. Já tenho, por isso, alguma idade. É só fazer as contas, como dizia o outro. A verdade é que eu agora já estou reformado, já tenho pouca área, sou um mini, mini produtor. Mas a minha atividade sempre foi esta, a da agricultura.
Sempre me dediquei à produção de azeite, mas desde há 10 ou 15 anos que o preço que pagavam era sempre o mesmo, enquanto que todas as outras coisas estavam sempre a subir. Nunca deu para pagar salários. O trabalho faz-se com a gente da casa. Não dá para mais. E eu prefiro vender alguns terrenos do que ver o olival mal cuidado. Por isso vendi mesmo. E se agora não o cuidam, pelo menos sei que não sou eu o culpado disso.
Eu não digo que o meu olival é o mais bem cuidado da Serra de Santo António. Mas que é um dos mais bem cuidados, lá isso é, com certeza. E para isso não dá para ter um olival muito grande. Mesmo assim, tenho aqui trabalho para o ano todo.
Eu tenho mesmo muito gosto nisto. Em parte, porque já o recebi assim, dos meus pais e dos meus avós. É um gosto ver a herança deles, manter a linha que eles tinham, manter as coisas ordenadas, bem feitas. Esse é o primeiro gosto. E depois, é o gosto de fazer bem feito. Se conseguir, claro. À minha maneira, gosto de fazer bem feito.
Normalmente, o sistema que eu uso é ano sim, ano não. Num ano, metade do olival produz. E na parte que produz nesse ano, a seguir a apanhar as azeitonas, toro as oliveiras. Isto é, faço-lhes um desbaste, nunca é uma tora radical. Mas faço-lhes uma limpeza, e por isso elas não dão azeitonas no ano seguinte. Nessa altura vão dar as outras oliveiras que tinham sido podadas.
Esta poda é importante, porque a rama velha não pode ficar nas oliveiras. Temos de a tirar, para ela depois criar rama nova – porque essa rama nova é que vai dar a azeitona. Outra coisa que importa é manter o olival limpo, não deixar lenhas ao pé das oliveiras de um ano para o outro, não deixar criar ervas daninhas.
É isso que eu ando a fazer aqui agora, a arrancar ervas daninhas. Silvas, cardos, ervas daninhas, sai tudo. Se for por esses olivais agora vai encontrar verdadeiros jardins de cardos floridos. Eu não estou a criticar ninguém, nem aqueles que fazem ou não fazem. Eu faço à minha maneira. Cada um faz à sua. Ou como pode. Acho que sobretudo é isso, como podem.
Uma vez, perguntaram-me qual era o meu segredo para manter o olival tão bonito. E eu acho que não é segredo nenhum. O segredo é unicamente a boa vontade e o gosto de fazer as coisas bem feitas. E em alguns casos, mesmo que tivessem boa vontade, nunca conseguiriam trazer o olival assim, porque são áreas muito grandes. Só pagando muitos ordenados. E para pagar muitos ordenados não dá. Isso não rende assim. Não rende. Não rende nada.
Há muita gente que continua com este tipo de produção, porque também tem gado a apoiar. Eu também tive um tempo de ter vacas de leite, de carne, ao meu cuidado, mas tudo isso vai acabando porque a idade não perdoa. Agora já só tenho ovelhas. E poucas.
A minha altura preferida do ano é esta agora, em que estamos na floração. Normalmente é em maio, mas este ano, como a temperatura é bastante alta, começou a florir logo em meados de abril. As alterações climáticas alteram mesmo tudo.
E enquanto der, eu cá vou andar entretido com o meu olival. É tudo tradicional. Nada de olivais intensivos, maquinarias para isto e para aquilo, nada. Eu devo ser o mais antiquado dos produtores, mesmo da velha guarda, que nem uma máquina elétrica tenho. Nem uma vara elétrica para varejar a azeitona. Ainda faço tudo a pau.
Mas não é por nada. Não é por não poder ter ou não querer ter. É que eu tenho problemas de coluna, não posso trabalhar com ela. Também não dá para ter máquinas grandes nem tratores, porque este chão é só pedras. Não passam, ou estragam-se todos.
Esta casina que está aqui no meio do terreno já era do meu avô. Não é bem uma casina, porque está telhada com telha, e as casinas são todas feitas em pedra. Mas lembro-me de ver o meu pai a andar aqui a compô-la. Foi sempre mais um abrigo para os animais. Como fica aqui muito perto de casa, quando precisávamos de abrigo íamos para lá. Aqui ficavam os animais. E no tempo do meu pai nunca houve explorações de grande vulto. Tinha só duas vacas, umas ovelhas, coisas assim. Eu depois já tive outras proporções, tive gado de leite, gado de engorda, cheguei a ter cento e tal cabeças. Mas isso era quando eu tinha mais propriedades.
Eu tive muitas propriedades. As do meu pai e as do meu sogro, depois comprei algumas também. Mas depois as coisas foram andando para trás. Não só a idade, mas também percalços na vida que não ajudaram nada. Saúde. Saúde e outras coisas piores. Mas continuamos a vir para cá, eu e a minha mulher, a Isaura. Andamos os dois à volta disto.
Eu acho que nós aqui somos um bocadinho privilegiados, temos um dos melhores azeites do país, segundo dizem os entendidos. Especialmente aqui, na nossa freguesia, no planalto da Serra de Santo António.
Há mais olival tradicional em outras zonas, mas o clima, talvez a qualidade do solo, não sei, tudo isso contribui para que tenhamos aqui um azeite de muito boa qualidade, do melhor que há no país.
Tem havido muitas mudanças, e se calhar vai continuar a haver. Mas eu já não vou ver a próxima. No meu caso, no caso dos meus terrenos, não deve ser para melhor. Não sei. Porque quando eu deixar de cuidar disto não sei o que vai acontecer.
E é um problema aqui na freguesia. Uma parte do olival está desprezada, já não produz. Quando eu era um rapaz novo, isto era uma alegria, olival por todo o lado, na apanha da azeitona vinha muita gente de fora, faziam-se bailaricos… Hoje já não é assim. Cada um apanha a sua, que não dá para pagar ordenados.
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