Terra de pastores, terra de lobos, terra de fronteira, terra de montanha. Pitões das Júnias é a aldeia mais visitada do Parque Natural da Peneda-Gerês, não só por causa da riqueza natural e da beleza das paisagens mas porque soube equilibrar, de forma sustentada, os interesses do turismo com os interesses da população. Pitões é uma aldeia viva o ano todo, uma aldeia onde os turistas chegam para fazer trilhos e conhecer o icónico Mosteiro de Pitões das Júnias e a sua cascata, mas ficam rendidos também à beleza da aldeia e à hospitalidade dos seus habitantes. É uma aldeia onde há pão, há arte e há comunidade. Poesia, portanto.
As semanas de inverno numa aldeia em plena serra são as mais difíceis de passar. Os dias são curtos, as noites são escuras e frias. Pitões das Júnias, Montalegre, em pleno Parque Nacional da Peneda-Gerês, colada à fronteira com Espanha, é uma das mais altas aldeias de Portugal (fica a 1140 metros de altitude) e aqui as temperaturas podem descer muito no inverno. Para muita gente da cidade, Pitões é onde se vai para ver o frio e a neve. Os que vivem em Pitões o ano todo enfiam-se em casa, à volta do lareira.
A lareira é um lugar a que gostam sempre de voltar, porque o lume não é só fonte de calor. “O lume é companheiro”, explica António Pires, 69 anos, pastor, que na aldeia todos conhecem por Patorro. E demonstra-o, enquanto explica: à volta de uma fogueira ninguém está sozinho, fica-se ali, momentos incontáveis a aconchegá-lo e a ajeitá-lo, a olhar para a chama, a ver os paus queimar.
A fogueira é ponto de encontro, centro de todas as casas, epicentro à volta do qual tudo gira. O lume é confessor, a banda sonora que acompanha todas as confidências e histórias mirabolantes, que sempre correram céleres por estas bandas. E é também o cozinheiro que mata a fome, que aquece o caldo, que coze as batatas, que fuma os enchidos, que permite que tudo se aproveite do porco.
António Pires fala do passado, mas demonstra que ele ainda é presente. Mesmo que as histórias de antigamente sejam agora apenas recreadas em sessões de contos e em fiadeiros mais ou menos encenados (porque já há pouca gente que saiba fiar e o pratique), o usufruto da lareira não é encenação. É, e será sempre, calor e conforto. E sustento, também.
É à força das lareiras que se continuam a produzir o fumeiro (que justifica a contínua produção de porcos) que todos os anos leva milhares de pessoas a Montalegre para a sua popular Feira do Fumeiro.
“Essa cozinha aqui é um museu”, diz Fritz, 70 anos, sotaque brasileiro, português de Pitões. Está na cozinha da mãe, e desde que ela morreu nunca limpou uma pitada de pó, nunca tirou do sitio uma caneca, uma malga, um utensílio. Senta-se no escano que, dizem-lhe, tem mais de 200 anos, acende o lume para se aquecer e cozinhar (nunca dá uso ao fogão da cozinha), bebe um copo, corta uma rodela de chouriço, almoça, janta, ceia. Sempre sozinho, com o lume como companheiro.
A cozinha não tem chaminé, o fumo e os anos pintaram tudo de negro. “É um museu de ferrugem”, brinca. “Isso tudo já me aborrece, mas tenho preguiça de mexer. É museu, e museu fica”, sentencia.
Talvez não seja museu, mas é com certeza um tratado cinematográfico, uma tela viva dos tempos escuros. Os potes de ferro estão posicionados à volta do lume – há um que ainda tem unto! Lá estão também a gadanha com que a mãe, e a avó, mexiam o caldo, os copos que foram trazidos do café Rato do Eiró há mais de 70 anos, uma balança arcaica, incontáveis objetos e artefactos que, de facto, são peças de museu.
Fritz chama-se na verdade Filipe, e é um dos muitos homens, e mulheres, que vivem sozinhos na aldeia de Pitões. A freguesia tem cerca de 150 habitantes, e já são poucas as casas onde há famílias numerosas. Alguns, como Fritz, até são donos de duas. A cozinha-museu, onde passa o dia, está na casa da sua mãe. A cama onde dorme a sesta depois do almoço, e onde passa a noite quando chega da taberna, está na sua casa, a única que em Pitões ostenta uma cruz celta e a data de 1820.
Fritz é filho único, filho de Maria da Glória, não conheceu o pai. Aos 12 anos foi para São Paulo e, como todos os outros portugueses que lá conheceu, tratou de ganhar a vida no comércio. “Todo o português que vai para o Brasil tem um açougue ou uma padaria. Eu fui trabalhar para uma farmácia”, contou.
Regressou há 20 anos, quando tinha quase 50, para tomar conta da mãe, que enfrentava a velhice com uma demência. Resolveu tudo com as ex-mulheres e os filhos (“casei duas vezes, tenho quatro filhos, dois meus, dois dela”) e veio para Portugal. Não tinha a certeza se o regresso era definitivo, mas acabou por sê-lo. Não tenciona voltar ao Brasil. Nem para ver os filhos. “Eles que me venham visitar”.
Fritz não é farmacêutico, mas percebe alguma coisa de mezinhas e medicamentos, e percebe bastante de anatomia. “Se queres conhecer o teu corpo, mata o teu porco”, diz o ditado antigo. Fritz não gosta de os matar, mas perdeu a conta aos muitos que desmanchou. É assim que ganha a vida em Pitões, a desmanchar carne. “Desmancho para o fumeiro e para a arca frigorífica. Desmancho porcos de novembro a março, desmancho vitelas o ano todo”. O saco de desporto onde arruma as muitas facas com que trabalha confirma que há atividade. É o único objeto que destoa da negritude da cozinha-museu.
Pão, pecuária e turismo
A economia familiar de Pitões das Júnias andou sempre à volta da agricultura e da pecuária. Foi sempre da terra, e da serra, que os moradores tiraram o pão, a carne, o sustento para todos os dias. Era terra de pastores e terra de lobo. Havia vacas, mas havia mais cabras e alguns porcos. “Eram tempos diferentes, com muita lama, muita cabra, muita pulga, muita vaca, muito mau”, recorda Patorro. Hoje em dia já não é mau. “Não somos ricos, mas também não passamos dificuldades”, acrescenta.
Hoje em dia há máquinas para ajudar a lavrar, há financiamento para construir armazéns para arrumar as vacas e melhorar a qualidade das forrageiras nos baldios, há rações industriais que reequilibram o que falte.
“Eu já não faço o que faziam os meus pais”, diz António Cascais, que também tem uma exploração de gado. Herdou o negócio agropecuário dos pais, e aumentou-o, apresentando um projeto de financiamento que também lhe permitiu abrir um restaurante, a Taberna do Caskais, onde a mulher chefia a cozinha, a sala e faz o que mais for preciso.
Cátia e Cascais são o casal improvável, que desafiou destinos traçados e convenções estabelecidas. Cátia é brasileira, filha de pitoneses, e é formada em nutricionismo. Cascais tirou o curso de padre e foi sacerdote, durante sete anos, numa freguesia vizinha em Montalegre. Casaram há 15 anos e tiveram um filho, Mateus, que é alegria dos pais e tem a alegria da música (estuda clarinete). Cascais passa os dias entre a serra, a taberna e a vacaria. “A minha mãe passava aqui o tempo, a varrer a vacaria com uma vassourinha de giesta. Eu já não tenho tanto essa preocupação. Agora é diferente”, explica.
As coisas mudaram. Deixou de haver vezeira, porque já não há gente para subir com as cabras para o monte; não há boi do povo, que há formas sanitárias mais eficazes de garantir a inseminação dos animais; e quase deixou de haver lobo – não porque o homem lhe lança batidas para o apanhar em armadilhas (Patorro ajudou a construir duas, uma em Pitões, outra em Espanha), mas porque as presas lhe começaram a faltar.
“Até isso é diferente”, diz Patorro. Antes as pessoas temiam o lobo, odiavam o lobo, semeavam o pânico com histórias mirabolantes à custa dele. Mas garante que agora toda a gente percebe que o lobo não é inimigo. “Os lobos é que nos ajudam a gerir isto, equilibram as coisas. Fazem parte da nossa paisagem, sempre fizeram. A ausência do lobo traz mais problemas do que a sua presença”, assegura.
Todas estas histórias e a sua evolução podem ser conhecidas tanto no primeiro pólo do Ecomuseu do Barroso, que inaugurou em Pitões das Júnias na casa onde era a Corte do Boi (um touro que era pertença da comunidade, que o alimentava para poder ter quem lhes engravidasse as vacas), como no mais recente Centro de Interpretativo do Lobo Ibérico, inaugurado em fevereiro de 2024.
Foi há pouco mais de duas décadas – e a presidente da Junta, Lúcia Jorge, lembra-se bem quando e como tudo começou – que a aldeia passou a ter também uma assumida vocação turística. “Nós não somos local de passagem, não ficamos a caminho de nada. Mas aqui temos o Mosteiro de Pitões, temos a cascata, temos uma paisagem incrível e muitas pessoas a fazer trilhos pelo parque. E não vinham à aldeia. Tínhamos de convencer as pessoas a vir e a ficar”, explica a autarca, que é também Presidente da Associação de Baldios do Parque Natural da Peneda-Gerês.
Para Lúcia Jorge pareceu-lhe evidente que o caminho teria de passar por mostrar aos visitantes aquilo que as pessoas fazem e aquilo que as pessoas são. Porque “é o que elas fazem, no pastoreio e a agricultura, que permite que a paisagem continue tratada e cuidada”, diz Lúcia Jorge.
Com perseverança, e alguma imaginação, o acesso a financiamentos foi sendo aprovado, o impulso para a reconstrução da primeira dúzia de casas trouxe novo dinamismo à aldeia. Hoje em dia, muitas casas recuperadas depois, oferece aos visitantes 80 camas, mais de metade daqueles que lá dormem todos os dias.
E pensando primeiro nos habitantes do ano todo, melhorou-se as pastagens forrageiras e o abeberamento dos animais; os visitantes ganharam trilhos limpos, percursos sinalizados; o parque ganhou uma paisagem cuidada e mais protegida contra os incêndios. Mas Lúcia Jorge não tem também dúvidas em atribuir a Gracinda Marinho, a proprietária da Padaria de Pitões, uma boa quota de responsabilidade do sucesso turístico que tem a aldeia. Sim, há muita gente a visitar Pitões das Júnias!
Gracinda Marinho tem 51 anos e, em criança, foi umas das pitonesas que andou na vezeira. Subia à serra a guardar as cabras de toda a gente, a troco que umas moedinhas para arranjar forma de estrear alguma roupa na festa de São João das Fragas. Gracinda já foi pastora, já foi emigrante, e agora é padeira em Pitões. É por causa dela que hoje a aldeia tem uma empresa próspera que emprega cerca de uma dezena de funcionários.
Quando há 20 anos regressou de Paris tinha mais vontade do que experiência. Quis voltar à aldeia antes que os filhos crescessem muito – o mais velho tinha sete anos, o mais novo 18 meses. “Os meus irmãos diziam-me ‘vais-te arrepender’. Então vens com três crianças pequeninas abrir uma padaria em Pitões? Vais desgraçar a tua vida”, recorda.
E explica que se a intenção fosse ganhar dinheiro, tinha procurado abrir negócio numa terra com mais movimento. Na terra do marido, por exemplo, que é de Cabeceiras de Basto. “Vejam bem que me fui casar com um minhoto. Eles lá vivem no inferno, mas aqui em Pitões é o céu. Mais acima, só está Deus”, ironiza. Não é a fé que a leva a dizê-lo, é mesmo a “rivalidade” ancestral que há entre minhotos e transmontanos, que partilham o parque nacional mas, reclamam, são muito diferentes.
“Eu queria mesmo era voltar à minha terra, à minha serra. Queria vir para aqui. Preciso disto. A montanha é que é a minha casa”, explica. A experiência que Gracinda poderia ter com o fabrico do pão foi-lhe dada toda pela mãe, que, tal como as outras habitantes da aldeia, ia cozer a broa de centeio para o forno comunitário. O forno estava fechado há 18 anos. E durante cinco anos Gracinda foi lá cozer pão, todos os dias. E os visitantes do parque, que vinham a Pitões das Júnias por causa dos trilhos e por causa do mosteiro também começaram a vir à aldeia, por causa do pão.
As pessoas e a paisagem
Os pitoneses começaram a ter mais orgulho na sua terra. E muitos dos que tinham partido para o estrangeiro começaram a regressar. Não foi só o Fritz nem a Gracinda. Ou o próprio Patorro, que ainda tentou ser emigrante, durante três anos. Alcina Leite, irmã de Gracinda, teve um percurso parecido com o da irmã – nasceu em Espanha, foi emigrante em França, viveu numa cidade grande, como Paris, onde havia arte e cultura em cada esquina.
Mas foi em Pitões, numa casa serrana que vai transformando em atelier, que admitiu tentar ser o que sempre sonhou e reprimiu: uma artista plástica.
Pinta tela, pinta pedras, pinta paus. Trata dos animais. Vê vida em cada recanto da natureza. Assina as suas peças como “A sapateira”, uma forma de homenagear a mãe, usando o apelido pelo qual todos a conheciam. Numa das telas que tem no seu atelier aparece ao lado da mãe, vestidinho vermelho, sapatinho da mesma cor. “Foi como me apresentei à minha mãe quando a fui procurar na serra, no meio das ovelhas, quando cheguei direta do aeroporto para a visitar”, explica.
Alexandra já não precisa de ir para o meio da serra para alimentar as ovelhas que todos os dias põe a pastar. Bem perto da aldeia vai havendo pasto que chegue. Alexandra nasceu em Pitões, orgulha-se de ser filha da primeira mulher que se atreveu a andar de trator em Pitões. Mas achava que não queria a vida da mãe, foi para Chaves, estudar.
Foi lá que conheceu o marido, Paulo, natural de Cambres, Lamego. Acabaram os dois emigrados, na Suíça, a trabalhar num hotel de montanhas daqueles em que se ganha muito e se trabalha mais (e se recebem boas gorjetas). Regressaram quando Alexandra ficou grávida de Gabriel, há 15 anos.
Alexandra disse “montanha por montanha, prefiro a minha”. Estão à frente do café Rato do Eiró. Têm dois filhos (o Gabriel e a Petra), cinco cães e 61 ovelhas. E quando à noite fecham o café, para descansar , vai bebê-lo à “concorrência”, a Taberna Celta, no mesmo Largo do Eiró.
A Taberna Celta é um caso de sucesso na aldeia de Pitões. A dinâmica que imprimia aos visitantes que de passagem, no meio de trilhos, ali entravam fazia-os voltar. Margarida Paiva, professora de filosofia, esteve à frente da taberna durante quase dez anos. Margarida é uma das provas vivas do magnetismo de Pitões. Natural de Canidelo, em Gaia, era turista nesta aldeia há 25 anos. Até que se fixou como moradora.
E foi atrás dos balcões da Taberna Celta que se lembrou de dar corpo a eventos como o Pitões à Mão ou o Fiadeiro de Contos, ou criar jogos que podem ser descarregados online e jogados por qualquer um, sejam jogos de tabuleiro (“Entrudo Desafiadeiro“) ou jogos de fuga, que obrigam a percorrer o território (“Lobos te Comam”). Ou, mais recente ainda, o Centear, um festival do centeio que relembra usos e costumes de outrora, ao mesmo tempo que reforça os laços da comunidade.
“Eu lembro-me muito do Aristóteles, e dos princípios da potência e do ato. Olho para esta aldeia e para este território e vejo imensa coisa em potência, que tanto os de fora como os que cá estão poderiam aproveitar para fazer disso economia”, afirma.
Margarida já não está na taberna, mas está na direção da Associação de Desenvolvimento de Pitões das Júnias, uma entidade que, com o apoio da Junta de Freguesia, se empenha em participar em projetos comunitários e em criar continuamente motivos de atração para visitantes e – ainda mais importante! – para os moradores.
E os motivos de atração parecem ser convincentes. Jean Luc era visitante e converteu-se em morador. Reformado da Air France, comprou uma autocaravana e começou uma viagem sem destino pelo Algarve. Foi subindo pelo país, parando em vários sítios, no interior e na costa, em aldeias e em cidades. Até que parou em Pitões. Há cinco anos. Acabou por ficar.
Paga “uma renda de 150€ e tem um palácio de cinco quartos”. O palácio é “força de expressão”, a convicção de que Pitões é uma terra especial é real. “Aqui tratam-me bem, receberam-me bem. É uma aldeia bonita, tem cultura e tradição”. Jean Luc confessa que está a tentar apreendê-la, ainda.
Numa fria manhã de inverno, em que os raios de sol convidam a pôr o nariz de fora, Ana Moura convenceu a vizinha Clementina a vir para a porta da rua, fiar. Clementina vendeu um gorro de lã a Jean Luc, e vê-o a passar de cabeça destapada. “Ó João Lucas, o teu chapéu?”. Ele explica que o lavou com água quente. Encolheu. Não faz mal. “Faço-lhe outro”, promete Clementina.
Fernando Baquero, 28 anos, colombiano, já foi morador. Agora, desde que arranjou emprego numa empresa em Lisboa, é visitante, quase todos os os fins de semana. Fernando era militar, mas teve problemas com a guerrilha e teve de fugir do país. Tentou alistar-se na Legião Francesa para se voluntariar para a guerra na Ucrânia. “A minha vida foi sempre em combates. Sou piloto de helicópteros, não tinha nada a perder”, explica. Mas na Legião Francesa não o aceitaram, porque Fernando é pai, e a experiência é que os militares acabam por desistir à conta dos filhos. “Pelo menos foi isso que me disseram. Disseram-me que não, porque eu tinha uma filha”.
Foi para Espanha, pensando nas facilidades da língua. Trabalhava a vender em feiras, estava infeliz, até que conheceu alguém em Portugal e começou a trabalhar na limpeza da floresta. Quando parou em Pitões das Júnias diz que encontrou uma nova família. Vem visitá-los sempre que pode – e que arranja boleia de algum colega que venha de Lisboa até Braga. “Depois de estar em Braga, consigo chegar até Pitões fácil”. E vem sempre que pode – nem que seja só para beber um copo na Taberna Celta no sábado à noite, com os amigos, e fazer uma caminhada na serra no domingo de manhã. Que depois é hora de voltar a Lisboa.
Fernando, Jean Luc e Margarida são alguns dos forasteiros que se encantaram com a aldeia e nela quiseram ficar. Dizem que é o sentido de comunidade que mais a diferencia. Esse comunitarismo do passado vê-se no presente. Só esse comunitarismo é que explica atitudes como a que teve a mulher de Patorro, galochas calçadas, roupa do monte vestida, na padaria de Gracinda. Beatriz pergunta se é preciso ajuda a descascar as cebolas de que Gracinda vai precisar para fazer bolas de carne para vender na Feira do Fumeiro. “Não, Beatriz obrigada. Se eu precisar, digo-te. Mas podes ir com as vacas descansada”.
E depois de Beatriz virar costas, Gracinda confessa: “A Beatriz é a minha companheira da serra, desde pequenina que subíamos ao monte”. Houve uma vez que me desequilibrei e fiquei com as pernas presas, num molho de tojo, caída de cara para baixo num rio. Foi ela que me salvou a vida.
E o pendor comunitário, o apego às tradições, a valorização da cultura salvaram a aldeia de Pitões. A paisagem, o mosteiro, a cascata continuam a merecerem todas as visitas. Mas a aldeia de Pitões também passou a ser destino de viagens. E morada de muitas vidas. Sempre com a montanha por perto.
Mais sobre Pitões das Júnias
António Pires, o Patorro
Na aldeia, todos o conhecem por Patorro. Era a alcunha de família a que nunca renunciou. Nasceu e cresceu em Pitões, aos seis anos já andava com o gado, aos 16 já fazia contrabando. Experimentou emigrar, mas não aguentou muito tempo. O amor à terra e à serra trouxeram-no de volta. Tem 60 anos é pastor e agricultor, faz algumas obras de construção e é um verdadeiro embaixador da sua terra. Gosta de acolher e de conversar.
Margarida Paiva, a dinamizadora cultural
Nasceu em Gaia, gosta e precisa do mar. Numa das caminhadas que fazia pela serra apaixonou-se por Pitões das Júnias. Professora de filosofia, aceitou o desafio, num ano em que não ficou colocada, de ficar atrás do balcão numa taberna no centro da aldeia. Esteve na Taberna Terra Celta dez anos, já voltou a dar aulas mas não consegue largar a procura, e a descoberta, das tradições de Pitões das Júnias. Ajuda a organizar muitos dos eventos culturais que já fazem parte do calendário da aldeia.
Cátia e Cascais, o casal improvável
Ela nasceu em São Paulo, no Brasil, filha de dois emigrantes pitoenses. Aos 21 anos quis vir estudar para a Europa e veio para Portugal. Ele nasceu e cresceu em Pitões, estudou num seminário, foi ordenado padre e esteve sete anos à frente de várias paróquias. “Só fazia missas de funerais e missas para os defuntos. Não consegui mudar a vida de ninguém”, explica ele. Mudaram a vida deles. Contra todas as probabilidades, assumiram uma relação. Casaram, tiveram um filho, têm uma vacaria e têm um restaurante. A Taberna do Caskais serve para alimentar quem passa, e para os donos se alimentarem espiritualmente de quem os visita.
Gracinda Marinho, a padeira de Pitões
Nasceu em França, mas cresceu em Pitões, fez a primária e andou com as cabras na serra até aos 18 anos. Ainda tentou a vida de emigrante em Paris, mas decidiu regressar, já com três filhos pequenos, para abrir uma padaria em plena aldeia de montanha. Reabriu o forno comunitário, aprendeu com o trabalho e com os erros. Está à frente da Padaria de Pitões, um caso de sucesso empresarial e é uma das mais entusiastas divulgadores das tradições da região.
Alcina Leite, a “Sapateira”
O nome artístico é uma homenagem à mãe. Alcina Leite faz muitas coisas com as mãos, mas entre elas não estão sapatos. Estão pinturas, em telas e em pedra, estão esculturas, estão várias peças de artesanato. Gosta de pintar desde que se lembra, mas só há quatro anos é que se aventurou a assumir a arte, a mostrar o trabalho, a vender em nome próprio. Tem um atelier no meio da aldeia de Pitões das Júnias, e diz que não conseguiria ser artista em mais lado nenhum. É a natureza que inspira a sua arte.
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