Formado em vídeo e com experiência em filmes publicitários, uma década de trabalho em Lisboa chegou-lhe para ter a certeza que é dos espaços pequenos e dos locais onde pode ter contacto com a natureza que gosta e é onde quer ver os filhos a crescer. É o mentor dos Encontros de Alvito, um festival que une as artes à natureza e que, gostaria Gonçalo, procura agitar consciências. Eis o seu testemunho.
“Devemos ser criativos e procurar novas formas de desenvolver o trabalho”
Chamo-me Gonçalo Pôla, nasci em Agosto de 1980. Nessa altura, e agora também, qualquer bebé de Alvito teria de ir nascer a Beja ou Évora. Eu nasci em Évora mas sinto-me um alvitense. Foi em Alvito que estudei até ao nono ano, mas depois fui fazer o secundário em Beja, e repeti o 12º, que terminei em Viana do Alentejo. Depois fui para Lisboa tirar um curso na Escola Técnica de Imagem e Comunicação – a clássica ETIC -, de editor de vídeo. E assim estive dez anos a fazer edição de vídeo em publicidade para televisão.
Gonçalo Pôla
Em última instância o que eu sonho é que a minha vila daqui a dez anos possa produzir alimentos super saudáveis para alimentar os nossos filhos na cantina das escolas e os nossos velhotes nos lares.
Mas não foram dez anos de um percurso que eu diga que adorei. Não gosto especialmente da área. Nos últimos um ou dois anos já andava a pensar que queria sair, mas não tinha coragem. Felizmente, fui despedido, juntamente com mais quatro ou cinco pessoas. E pude voltar a Alvito e ter a oportunidade de procurar novos caminhos na área criativa, na área profissional e na área pessoal.
Para mim regressar a Alvito foi uma lufada de ar fresco. Eu vinha a Alvito todos os fins de semana que podia. Era daquelas pessoas que regressava às sextas-feiras e saía ao domingo. Eu gosto da viagem e de todo o processo da viagem, apesar de se tornar cansativo ao fim de dez ou onze anos. Custava-me sempre mais ao domingo sair para Lisboa do que regressar sexta-feira a Alvito.
Eu só tive carro aos 26 ou 27 anos, andava sempre de comboio. E quando chegava a estação de Vila Nova da Baronia, e esperava que alguém me fosse buscar, ficava a curtir aquela sensação dos ouvidos a zunir… Como quando sais da discoteca, depois chegas ao silêncio e ouves um zunido. Quando estás numa grande cidade e tu não sentes o silêncio. Mesmo à noite, há um bruá de fundo. Por isso quando chegava aqui e ouvia aquele piiiii, o silêncio. Essa é uma das coisas que mais me marcou. Ouvir o silêncio. Gosto muito.
Gosto muito de outras coisas que me ligam a estes sítios com menos densidade populacional. Vou buscar inspiração à terra, às árvores, aos sons das folhas. Isso é o que me motiva a viver. E, agora os meus filhos também.
O que é que alguém que vem da cidade grande pode encontrar numa cidade mais pequenina? Pode encontrar esta paz e pode encontrar novas formas de estar e viver. Parece um clichê mas é verdade. A nossa sociedade conduz-nos sempre a uma ideia de empregos e a uma forma de ganhar dinheiro muito hierarquizada ou parametrizada. Como se ao procurarmos outras coisas parece que vamos passar fome. Parece que não somos felizes.
Eu acho que tem de se procurar. E que devemos ser criativos nessa forma de procurar desenvolver novos trabalhos. Existe espaço, isto é, há áreas a serem exploradas onde se pode ganhar dinheiro e viver em família nestes sítios. Isso eu não tenho dúvida nenhuma.
Por isso às vezes tenho vontade de abanar as pessoas, sobretudo os jovens que vejo a encostarem-se muito à câmara ou às empresas que não existem em Alvito, mas existem em Évora e em Beja. Dá-me vontade de lhes dizer “não tenhas medo”, porque vai sempre arranjar algum dinheiro. Aqui consegues viver de uma forma relativamente barata e vais sempre arranjar dinheiro para comer.
Mas tem que haver um percurso. As pessoas não podem achar que de um momento para o outro tudo floresça, não é? É como agora a monocultura que tem que ser tudo muito rápido… Não. É um processo. Temos que ter paciência para esse processo. Temos que trabalhar muito para esse processo. Mas se tivermos criatividade e se olharmos à volta, procurarmos os espaços e oportunidades que existem… Eu não tenho dúvidas que existem oportunidades para famílias jovens da minha idade (jovens de quarenta e poucos anos) e até mais novos para fazerem e para construírem ali a sua vida. Não podemos é só encostar a alguém e esperar que aconteça…
Os Encontros de Alvito apareceram de forma natural, só tive de dar atenção ao que tinha à minha volta. Surgiram com base no projeto de uns amigos da minha mãe, que passaram por Alvito em 1997 e que deixaram um projeto escrito de residências artísticas. Estávamos perto do fim do milénio, há aqui no centro de Alvito uma oliveira centenária, esse projecto de residências foi pensado à volta dessa oliveira, a “Oliveira do Milénio”. Ainda hoje os Encontros andam à volta dessa árvore, mas a verdade é que todas as árvores nos inspiram.
A verdade é que o projecto desenvolveu-se, cresceu, e no fim, como disse alguém, “o mundo veio a Alvito”. Muitas vezes o mundo também nos visita nos sítios pequenos. Estes sítios pequenos não são isolados como algumas vozes querem fazer parecer. Então eu senti que o mundo veio realmente a Alvito. Tentei contactar os dez artistas que estavam nesse projeto – que eram dez artistas plásticos. Houve dois que eu consegui contactar, ambos brasileiros. O Fabio Del Duque, que é o curador do festival Arte Serrinha, e o Luís Christello, que é publicitário e se mudou cá para Portugal e que é um grande amigo.
Fui a partir destas duas pessoas que os Encontros de Alvito começaram a florescer. Eu nunca tinha feito uma coisa destas, por isso a primeira coisas que fiz foi ir ter com pessoas que já faziam festivais e com quem eu me identificava. O Luís, do Bons Sons, o Carlos Seixas, que organiza o Festival Musicas do Mundo em Sines, e também tem casa em Alvito, e ainda mais duas ou três pessoas que que me inspiravam e que me podiam ajudar a construir o nosso festival.
Eu tenho dificuldade com conceitos. Inclusivamente quando me perguntavam qual é o conceito dos Encontros, qual é o público-alvo, isto e aquilo… Nunca soube muito bem e vivia mal com isso. Senti-me um bocadinho inseguro. E ainda sinto. Mas o que posso dizer é que os Encontros nascem da vontade de reencontrar pessoas, de partilhar as mesmas vontades e, vou dizer isto da forma mais humilde possível, de proteger o planeta, de proteger a natureza e de proteger o território, Começar por aí. Porque isto é como uma grande casa, toda desarrumada.
Não sabemos por onde é que havemos de começar.
O que eu decidi foi fazer o que consigo fazer com a minha energia e com o meu tempo. E isso tranquiliza-me. Depois, se as coisas se forem repercutindo, se forem contaminando outros no bom sentido da palavra, estamos no bom caminho.
Basicamente o que eu procuro é a harmonia, com os outros e com o que me rodeia.
Já organizamos três edições deste festival. Claro que quero que cresça mais no sentido da profundidade, em raiz. Alvito tem ainda espaço para receber mais publico – a terceira já teve mais publico do que na segunda, mas é possível receber mais pessoas. O grande desafio portanto é tentar procurar apoios, quem acredite em nós, para conseguirmos continuar a programar.
Não queremos que o Festival seja uma coisa pontual. Queremos que ele cresça em residências. Queremos que as pessoas e os artistas se enraizem, e para isso eles precisam de tempo para estar, para olhar, para sentir, para ouvir…
Entretanto, temos o Parque dos Encontros, um espaço onde trabalhamos a comunidade, a mais velha e a mais nova, onde procuramos testar novas formas de produzir alimentos. Em última instância o que eu sonho é que a minha vila daqui a dez anos possa produzir alimentos para alimentar os meus filhos com alimentos super saudáveis na cantina das escolas e os nossos velhotes nos lares.
Gonçalo Pôla
Custava-me sempre mais ao domingo sair para Lisboa do que regressar sexta-feira a Alvito.
O Parque dos Encontros começou com uma ideia de construir umas hortas comunitárias que candidatamos ao programa Bairros Saudáveis. Mas na minha visão aquele espaço é muito mais do que isso. Fica num espaço que protocolamos com a Câmara e que tem um ponto fraco e um forte. O fraco é que era uma entulheira, pelo que estamos a trabalhar em cima do entulho e, basicamente, é muito difícil trabalhar a terra. O ponto super positivo é que fica encostado à escola profissional, de quem somos parceiros e com quem temos uma relação espetacular. É uma escola que trabalha com alunos dos PALOP há mais de vinte anos e um dos cursos que tem, e pelo qual é mais conhecido, é o curso de cozinha e restauração.
Então se nós queremos produzir alimentos saudáveis, vamos pôr os miúdos já a trabalhá-los e a produzi-los também. Não conseguimos fazer muitos canteiros elevados, porque tivemos que elevar a terra. Não tínhamos capacidade de produzir na própria terra, pelo que ainda temos produção muito residual. Mas numa segunda candidatura ao Bairros Saudáveis já queremos produzir uma floresta com técnicas de agricultura sintrópica, permacultura e outras para podermos realmente aí produzir já em massa, ir atingindo a autonomia alimentar das escolas, dos lares e depois da vila em si.
A candidatura foi feita com o Clube da Natureza de Alvito, de que sou sócio fundador e actualmente presidente. O Clube está a gerir um quiosque na Praça da República, bem no centro da vila. É um centro onde podemos passar palavra, dizer o que é que andamos a fazer, a levar para lá os nossos legumes, mostrar as plantas que estamos a produzir no parque. É um espaço onde as pessoas se podem encontrar, ouvir boa música, comer um produto local. A dinâmica do meu dia a dia passa ali, por Alvito. E isto para mim é um dia bom. Um dia óptimo é quando estou em contacto com a terra, porque é só a partir daí que eu consigo ter força para fazer as minhas coisas.
Eu não digo que vou ficar em Alvito para sempre. O meu sonho é criar sinergias com outros sítios, outros países, como Cabo Verde e o Brasil. Procuro países que também pensem assim, e estejam a trabalhar estas áreas de forma idêntica à nossa. É por esses caminhos que eu quero ver os meus filhos crescer.
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