É formada em património mas é na agricultura e no cultivo sustentável de plantas aromáticas que ocupa a maior parte do seu tempo profissional. Fá-lo em modo biológico, sem nunca sacrificar o que, pessoalmente, lhe dá mais alegrias e satisfações: o tempo de qualidade que passa com o marido, filho e amigos. Alvito recebe bem e tem muita vida social. Eis o seu testemunho.
“Gosto de sensibilizar as pessoas para as muitas coisas boas que temos no nosso território”
Chamo-me Rita Valente, tenho 37 anos, e nasci em Vila Verde de Ficalho, uma terra no Alentejo, perto de Espanha. Vim parar a Alvito por motivos profissionais. Estava a trabalhar na área do património e vim morar para esta zona em 2012. Primeiro para uma terreola aqui perto, mas desde 2015 que nos estabelecemos aqui em Alvito, mesmo no centro da vila.
A vila em si é muito bonita, é muito aprazível estar em Alvito. E depois é uma terra que está central no Alentejo. Temos o comboio, estamos a uma hora e meia de Lisboa, estamos a meia hora de Évora, a meia hora de Beja, a hora e meia do Algarve. Portanto, para nós esta localização é boa, porque num instantinho chegamos a qualquer sítio.
Eu gosto muito de ser do Alentejo, de estar no Alentejo, de estar aqui em Alvito. O melhor de viver por aqui é o dia que rende sempre muito mais do que em qualquer outro sítio. Parece que o tempo estica. E esta comunidade abraça quem vem de fora. Eu senti-me bem recebida. Mais até em Vila Nova da Baronia, onde são muito mais abertos, do que aqui a Alvito, onde parece que são um pouco mais fechados. Diz-se que como aqui foi terra dos primeiros barões de Portugal, Alvito era a terra dos ricos e a Vila da Baronia era a terra dos trabalhadores. Então em Alvito as pessoas parece que têm assim alguma importância, e na Baronia são mais afáveis (risos).
Em termos profissionais, sempre tive um bichinho pelas artes e ofícios e pelo património. Tirei o curso profissional, equivalente ao 12º ano, de mestre de construção civil tradicional, onde aprendi a fazer teipa, abóbodas, enfim, toda a construção que se fazia antigamente. Depois fui para Tomar e fiz a licenciatura em conservação e restauro. Depois segui para a Universidade de Évora, onde tirei um mestrado em Museologia. Comecei a trabalhar na Spira, uma empresa que se dedica ao património, e ali estive dez anos. Até começar a pensar em projetos pessoais.
O meu marido, que sempre foi um apaixonado pela agricultura, sempre quis ter alguma coisa na área da agricultura. Ele é topógrafo, mas a agricultura sempre foi muito importante para ele. Começamos a procurar terrenos, e acabamos por encontrar este que nos permitiu fazer uma candidatura aos apoios a Jovens Agricultores. Começamos o nosso investimento em 2017. E optámos por ervas aromáticas e medicinais pelo poder milagroso que as plantas têm. Como é que uma ervinha, como a erva príncipe, depois faz-nos bem à digestão. Ou hortelã-pimenta, que muito nos ajuda nos intestinos…
Fazemos ervas aromáticas medicinais em modo biológico, temos lúcia-lima, erva cidreira, hortelã-pimenta, tomilho vulgar, tomilho limão e erva príncipe. E cultivamo-las em modo biológico para respeitar a terra e o meio onde estamos… Acho que tem de ser esse o caminho, o de respeitar a terra para que ela nos continue a dar aquilo que nos faz bem. Para que seja assim uma troca justa.
Para nós é facil vender toda a produção, porque integramos uma cooperativa que está sediada em Serpa. Todo o produto vai para lá, e dali segue para países como a Alemanha ou a França, que as usam para fins medicinais e também para para chás e para infusões. Apanhamos o boom das ervas aromáticas, quando houve muito investimento neste setor. Mas, passados os cinco anos em que era preciso manter a empresa por causa dos apoios, muitas fecharam. Nós continuamos cá e compramos muito material a essas explorações. E aqui resistimos, a ver plantação intensiva a crescer à nossa volta, mas empenhados em manter a nossa produção biológica.
Tendo formação e paixão pela área do património, o trabalho na agricultura foi para mim uma descoberta. Tem dias mais duros. Porque estarmos aqui a trabalhar com 40 graus é duro. Mas depois também é reconfortante chegar ao final do dia e ver uma espécie de missão completa, que o trabalho foi feito e que continua tudo em harmonia, porque continuamos a respeitar todo este ecossistema. Sabemos que com isso estamos a fazer o nosso papel aqui na terra.
O verão, que é a altura do ano em que é mais duro e mais difícil trabalhar, por causa do calor, é também a minha época do ano preferido, porque é quando vemos o resultado do nosso trabalho, sentimos os aromas. Durante as geadas, as ervas hibernam, é a partir de Abril-Maio que o ciclo começa a despontar. Mas as alterações climáticas também se podem ver por aqui: este ano só houve duas geadas. E as plantas precisam de ganhar horas de frio para depois poderem crescer no no verão.
Nós temos uma pessoa que trabalha ao dia connosco. Mas é muito difícil arranjar mão de obra. Não se consegue ninguém para vir trabalhar no campo. E estes olivais intensivos vieram complicar. Porque as poucas pessoas que contratam andam num trator com ar condicionado. Quem é que depois quer estar aqui ao calor? Antigamente os miúdos também gostavam de trabalhar no verão, para fazer algum dinheiro para eles. Mas hoje em dia, como os pais dão tudo e mais alguma coisa, não se chegam à frente. Por isso vêm pessoas de fora, e têm mesmo de vir.
Há aqui um grupo que acolhe muito bem toda a gente. Viver no Alvito é muito seguro e há muita vida social. No verão há baile na praça todas as sextas-feiras. E em Vila Nova da Baronia há todos os sábados. Há sempre festa e também já há muitas crianças. Há uma coisa que me deixou contente.
Quando comecei aqui a trabalhar, em 2012, fiz projetos de divulgação do património na escola do primeiro ciclo, e a turma do primeiro ano estava junto com a do quarto ano e a do segundo estava junta com a do terceiro; isto porque não havia alunos suficientes para fazer uma turma para cada ano. Mas este ano, durante os Encontros de Alvito, e por causa de um projeto que fizemos com a escola e com um ilustrador, para pintar um muro numa agrofloresta que aqui está a ser construída, vimos que cada turma já tem vinte e poucos miúdos. Foi um boom (risos) e isso são boas notícias para o território.
Eu também tenho um filho, de 15 meses. Anda na creche em Vila Nova da Baronia – porque as coisas aqui organizam-se assim, somos um concelho pequenino mas bem organizado. É um bom sítio para ver as crianças crescer. Eu também nasci e cresci numa numa vila pequena e sei que isso não foi entrave para pensar mais ou menos no que queria fazer. Não foi uma prisão, digamos assim. E acredito que aqui em Alvito há muito mais influências culturais e de muitas cabeças pensantes, acho que isso vai aguçar também a cabeça dos miúdos. O que sei, e o que sinto, é que também temos é que que ser nós a fazer o trabalho de casa, não é pensar que a escola fará o trabalho todo.
Eu procuro fazer muito trabalho com a comunidade, sobretudo com crianças e idosos. A primeira sensibilização que procuro fazer é para o que há aqui em Alvito, para valorizarem aquilo que é da terra. Gosto de sensibilizar as pessoas para as muitas coisas boas que temos no nosso território. Seja património, seja a natureza, seja os costumes, sejam as pessoas de cá. É preciso dar valor também às pessoas de cá, para combater aquela coisa de que o que está fora é que é bom.
Eu tenho muitos dias bons aqui em Alvito. De manhã levo o meu filho à escola, a Vila Nova da Baronia, que fica a cinco minutos daqui, e depois venho para o campo, fazer os trabalhos que forem necessários.
No verão é quando há mais trabalho, temos o corte das aromáticas, a secagem e o embalamento. Ao final do dia vou buscar o meu filho e ontem, por exemplo, fomos às piscinas municipais duas horinhas para ele brincar. O meu marido tem muito trabalho externo com a topografia. Mas depois terminamos o dia ali no quiosque na praça, com os amigos a beber uma cervejinha e os miúdos a brincarem todos juntos. E isto é um bom dia. Um dia em que se aproveita bem o tempo.
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