Nasceu numa cidade turística em Itália mas sempre quis experimentar o trabalho agrícola. Inscreveu-se num programa de Serviço Civil que, em Itália, substituiu o Serviço Militar Obrigatório, e veio parar a Uva. Trabalhou de maio a maio, no verão voltou para matar saudades e acabou contratado pela Palombar. Aprecia os dias no campo, que são sempre diferentes, e a comunidade de “novos e velhos” que ao fim do dia se junta no café para beber uma cerveja e confraternizar. Eis o seu testemunho.
“O melhor de Uva são as pessoas que cá vivem”
Chamo-me Francesco, tenho 22 anos, e sou de Rimini, uma cidade turística ao sul de Bolonha que tem mais de 100 mil habitantes. Sempre vivi lá e foi lá que fiz os meus estudos em Agrária. Quando terminei os estudos, comecei a procurar uma oportunidade para trabalhar. Procurei no Serviço Civil de Itália uma associação que me permitisse ter essa experiência. O Serviço Civil é um programa de voluntariado que, depois de ter terminado o serviço militar obrigatório continua a permitir aos jovens italianos uma experiência concreta na sociedade. O governo paga-te o salário e tu ficas a trabalhar como voluntário numa associação.
Eu podia escolher ficar na Itália ou ir para outro país. A mim interessava-me ter uma experiência fora de Itália, queria fazer uma experiência formativa para mim, alguma coisa sobre agricultura e sobre a natureza. Mas 90% dos projetos do Serviço Civil são sobre a parte social.
Com sorte encontrei este projeto da Palombar. Soube que o Serviço Civil de Itália envia todos os anos quatro voluntários para esta zona, e eu decidi tentar. E percebi que este projeto é sobre a natureza. A Palombar é uma associação de preservação na natureza e do património rural – mas é também um projeto social. Porque este programa de voluntariado está a permitir que esta aldeia não morra. Ainda bem que o escolhi.
Vim para Uva há dois anos. E trabalhei na Palombar de maio a maio. Gostei mesmo muito, e no verão vim cá nas férias para matar saudades da malta. Entretanto, o Américo [da direcção da Palombar] perguntou-me se ainda queria voltar a trabalhar, e eu aceitei. Um mês depois já estava aqui a trabalhar outra vez. Isto foi há um ano.
O que mais gosto é desta liberdade de ser um trabalho no campo. Não tenho de ficar no escritório, tenho um trabalho muito diferente em todo o ano, dependendo da altura. Umas vezes pode ser alimentar os pombos, ou fazer a manutenção dos pombais; noutras alturas pode ser fazer as sementeiras ou tratar da comida para as aves necrófagas. Temos seis campos de trabalho em toda a região, tenho de ir lá pôr a carne e depois venho embora. Isso é uma coisa que gosto muito, porque não é sempre o mesmo trabalho todos os dias. Varia muito consoante o dia, e a meteorologia também. Porque se chove, tenho um trabalho, se está sol tenho outro. E eu gosto disso.
Há também outra coisa importante, que são as pessoas. Em Uva há uma comunidade muito grande entre os jovens e as pessoas mais velha, Vamos todos os dias depois do trabalho ao café, eles vêm beber uma cerveja connosco. Juntamo-nos para comer um petisco, fazer um churrasco ao fim de semana. É disso que eu gosto mais nesta aldeia.
Rimini, a cidade onde sempre vivi na Itália, é muito grande, são mais de 100.000 pessoas. Mas afinal eu gosto mais desta zona, desta aldeia, com menos de 50 pessoas. Porque a aldeia é muito mais pequena mas as pessoas querem ajudar-te. Tu vais ajudar uma pessoa, e ela depois vai ajudar-te a ti noutro dia, quando tu precisas. Há o tal grande sentido de comunidade, e eu acho que é mesmo essa comunidade que eu gosto muito. Fazer coisas com as pessoas daqui, falar e brincar com eles, beber uma cerveja no café. E é isso que é muito fixe aqui.
Eu fiz muitos amigos nesta aldeia, quando vim para cá. Não só com as pessoas jovens que trabalham com a Palombar, e também com outra associação que está perto de Uva, e que trabalha mais com os burros [AEPGA], mas também com as pessoas daqui da aldeia. Há senhores da aldeia que todos os dias vão para o café. E tu vais lá estar com eles e conversar. As pessoas que vivem aqui na aldeia são muito fixe e eu gosto delas.
Os meus pais gostaram da ideia de vir para aqui, quando lhes falei do Serviço Civil. Era uma experiência de um ano, então não disseram nada, gostaram da ideia. Mas depois quando voltei para Itália, já a dizer que queria voltar, eles já não estavam tão de acordo. Porque estavam a imaginar uma aldeia de 50 pessoas no meio do nada e eles tinham um pouco medo de tudo. Mas depois vieram visitar-me, quatro ou cinco meses depois de eu ter voltado, e perceberam como é verdadeiramente esta aldeia.
Não basta ouvir falar. É preciso vir conhecer. Uma aldeia pequena, com poucas pessoas, quase só velhotes, com gente à volta dos 70 anos, pode parecer estranho para um jovem. Mas chegando a Uva vão perceber que é toda outra coisa. Há pessoas de várias idades, desde os 20 até 70 anos, e todos ficam juntos, são pessoas que querem ajudar, que se falam, que querem estar juntos.
Para mim o mais difícil foi mesmo a língua, mas agora que já consigo falar acho que não há nada de muito complicado. É verdade que estamos um pouco isolados. Mas tenho muitos amigos na região, e quando queremos sair daqui vamos no fim de semana a qualquer lado, ao Porto ou a Lisboa. Há muitas coisas para fazer em Portugal. E no verão há muitas festas e festivais.
No verão fomos visitar todos o festivais desta zona. Também fomos a festivais fora, como a Barcelos ou ao Gerês. Nós gostamos de estar entre nós, mas também queremos estar com outras pessoas. Como não sou português, também quero visitar o país. Então visitar outra aldeia, vila ou cidade é outra forma de continuar a conhecer a cultura deste país.
Eu gosto muito de Portugal, é muito diferente da Itália. Em termos naturais, aqui não há montanhas, como os Alpes ou os Pirinéus. É outro tipo de paisagem, e isso também é muito fixe.
Mais sobre Uva
Uva, a aldeia dos pombos e dos pombais
Uma aldeia do planalto transmontano com 50 pessoas, 40 pombais, sete burros e dez italianos é diferente de todas as outras. Por tudo isso, e também pelo incrível ambiente comunitário que junta pessoas de várias gerações e geografias no café da aldeia. Um café que só existe para financiar as festas anuais em honra da padroeira, e por onde agora também circula Olmo, ainda num carinho de bebé. A mãe é francesa. O pai é italiano. Mas Olmo “é de Uva”. “Já cá não nos nascia um bebé há 20 anos. E este é lindo como o sol”.
Américo Guedes, o diretor da Palombar
Nasceu no Douro vinhateiro mas mudou-se para o planalto transmontano seduzido pela biodiversidade e pelas ações de conservação da Natureza que uma associação como a Palombar planeia e permite. Começou como técnico, agora está na direção, com a responsabilidade de gerir uma equipa de quase 20 pessoas.
Aline Domingues, a Menina d’Uva
Nasceu em Paris há 34 anos, tem cara de menina, ar sereno, voz pausada. Formou-se em Biologia, especializou-se em fermentação. Quis experimentar a agricultura e a enologia. Apaixonou-se por Uva, terra dos avós onde sempre vinha passar férias e onde as vinhas velhas do avô e as castas tradicionais do planalto se tornaram um desafio difícil de resistir. Apaixonou-se por Emanuele, um italiano que trabalhava como voluntário na aldeia. Hoje estão a construir um ninho, e a educar a primeira bebé nascida na aldeia desde há mais de 20 anos.
Fernanda Pereira, a mulher dos sete ofícios
Nasceu numa aldeia de Vila Real emigrou para França aos 16 anos, viveu clandestina durante mais de dez. Deixou um apartamento de 75 metros quadrados em Paris – “não era qualquer português que conseguia viver assim!” – para poder ter uma casa própria em Portugal, na aldeia do marido. Hoje é a mulher que abre o café e a igreja, a vizinha com quem se espanta a solidão, a tecedeira que garante que se continuam a fazer alforges na aldeia. É uma mulher dos sete ofícios.
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