Alte fica no coração da serra do Caldeirão, é terra de alfarrobeiras e de cascatas e é uma aldeia que tem sabido preservar também o seu património edificado. Passear na pequena aldeia de Alte é apreciar casas brancas, beirados típicos, chaminés recortadas, caminhos estreitos, vasos às janelas, buganvílias a trepar paredes e a enfeitar as ruas. Alte é também terra de poetas, de artistas plásticos, de músicos. E de ciclistas.
Desde há seis anos que a comunidade entusiasta da bicicleta sabe que aquela curva da EN124, na serra do Caldeirão, em plena aldeia de Alte, município de Loulé, é especial. É a curva onde, em fevereiro, se monta um estendal. Só neste ano de 2024 foram cerca de 500 camisolas. Pedro Domingues ainda as anda a dobrar e a guardar etiquetadas em pequenos sacos, caso os donos que as entregaram as queiram vir buscar.
“Quando abri o café prometi à organização da Volta ao Algarve que se passassem à minha porta teriam uma surpresa. Foi assim que surgiu o Estendal da Volta. A partir de então numa mais parei”, diz Pedro Domingos, enquanto tira de uma das mesas da pequena esplanada as chávenas de café dos ciclistas que acabaram de partir.
Pedro Domingues é mais conhecido por Pedro Pirralho, o nome que lhe deram ainda na infância, enquanto crescia na Calçada da Ajuda, em Belém, Lisboa. Foi lá que viveu até aos 10 anos. Mas a verdade é que agora até é mais conhecido pelo nome de Germano, o nome que traz sempre na camisola, o nome que deu à marca que inventou para uma série de produtos relacionados com reciclagem e com bicicletas, e o nome que deu ao café que, em 2016, decidiu abriu naquela mesma curva, a curva do Estendal da Volta.
“Germano era o nome do meu avô. Mais não quis do que lhe fazer uma homenagem”, diz. Pedro mostra a fotografia do avô numa bicicleta, com a sua mãe sentada no guiador. Diz que a bicicleta era o meio de transporte de ambos, quando andavam pelas várias aldeias a animar os bailaricos. Germano era músico, tocava banjo. “E a minha mãe lá ia, com a bicicleta, de acordeão às costas, por todo o Algarve e o Baixo Alentejo”, recorda.
Pedro Pirralho é grato à mãe ter decidido regressar a Alte quando ele estava a entrar na adolescência. Alte é um bom sítio para crescer, para viver. Foi lá que fez muitos amigos e ajudou na construção de brincadeiras que hoje se tornaram imagem de marca da aldeia – a noite das bruxas, ou a bandeira de Portugal, pintada em 2004 para apoiar a seleção nacional de futebol. Foi lá que sempre viveu rodeado de arte. Pintura, escultura, música, dança, cantares, literatura, poesia. Ele descobriu cedo a sua, a que mais o entusiasmava: desenhar.
Pedro conseguiu o primeiro emprego ali na aldeia, a trabalhar no gabinete de artes plásticas com o professor Daniel Vieira, um dos notáveis da aldeia. Formou-se desenhador projetista, foi trabalhar em gabinetes de arquitetura. Apaixonou-se pelo design. A vida deu todas estas voltas até chegar ao sítio onde agora é feliz: a reciclar peças e bicicletas que já ninguém usa, a criar produtos, a receber ciclistas e turistas, a apontar-lhe rotas na serra e sítios que valem a pena uma visita.
O Algarve é uma região muito procurada por ciclistas. E Alte é uma das aldeias do Algarve mais procurada por turistas. Sempre soube promover-se como “a aldeia mais típica do Algarve”, ou referir que tem a cascata mais instagramável de toda a região – a Cascata do Vigário é fotogénica, sim, assim não lhe falte a água. É bastante comum pararem pela aldeia alguns jipes com turistas, que vêm fazer “safaris” a Alte. Safaris fotográficos, entenda-se. Que qualquer semelhança com as expedições que se fazem em África ficam pelo estilo de viatura.
“A prioridade agora, mais do que atrair turistas, é fixar a população. É acarinhar quem cá está e convencer os jovens de que vale a pena ficar”, diz Adriano Cabrita, ele próprio um jovem de 30 anos que nunca quis sair da aldeia em que nasceu. “E não foi por falta de opção. É convicção, mesmo”, explica. Hoje é vogal no executivo da Junta de Freguesia e está envolvido em várias atividades na aldeia – o Halloween, a Bandeira de Portugal, o Carnaval, a semana de Artes e Culturas, o festival Fusos, o festival Música nas Fontes…
Enquanto vai apontando para os vários pontos que aparecem nos roteiros turísticos, Adriano vai lembrando que a aldeia não é bonita por acaso. “É uma aldeia bem preservada, porque a bom tempo alguém se lembrou de criar um caderno de construção de Alte”, diz o autarca, referindo-se a um dos filhos mais amados da terra, José Cavaco Vieira – ou Zé Vieira, como todos o conhecem. Foi quando ele era presidente da Junta de Freguesia, há quase um século, que a aldeia construiu as fundações daquilo que é hoje. Não apenas em termos físicos e patrimoniais mas, sobretudo, em termos culturais e sociais.
Em 1938, o Secretariado de Propaganda Nacional (SPN) do antigo regime organizou o concurso “A aldeia mais portuguesa de Portugal”. Pretendia-se um evento bianual para celebrar a aldeia do território continental que “maior resistência oferecia a decomposições e influências estranhas e (apresentasse) o mais elevado estado de conservação no mais elevado grau de pureza”.
Era este o regulamento, e Zé Vieira preparou a sua aldeia a rigor. Mandou calcetar ruas, instalar esgotos, definiu regras de alindamento das casas. Rezam as atas que o investimento planeado para esse ano foi de 210 contos.
Houve rigor, orgulho, preparação. A prima de Zé Vieira. Maria Albertina Madeira, atual diretora dos jornal Ecos da Serra, ainda se recorda desses dias. Lembra-se dos preparativos e da forma como toda a gente se uniu para se apresentar ao concurso, naquele 4 de outubro.
“Toda a gente participava nisto ou naquilo”, refere. Albertina apresentou-se aos jurados vestida “à antiga”, a fazer renda. Atividade que hoje, aos 101 anos de idade, continua a gostar de fazer. Assim como gosta de cozinhar, de fazer bolos e licores. Parar de fazer coisas não está nos seus planos. E é isso que a mantém viva – a atividade atual e regressar às memórias do muito que já fez, dos festivais de rancho e dos espetáculos de teatro em que participou.
O concurso parece ter sido o pretexto para que a aldeia de Alte assumisse, afinal, a sua vocação para as artes, para a cultura e para a tradição. Tantos anos volvidos, continuam a procurar algum rigor nos cadernos de regras – talvez por isso não se vêem novas construções a desfear o casario mais antigo – e a encontrar nas manifestações culturais e no gosto pela tradição a melhor forma de atrair visitantes e fixar moradores.
Uma das mais recentes criações da Junta de Freguesia de Alte foi patrocinar um roteiro de arte urbana que leva a assinatura de dois distintos moradores. As gravuras criadas por Daniel Vieira para homenagear músicos e dançarinos da aldeia saiu das gavetas do pintor para os muros de Alte com a ajuda de Renata Violetta, uma polaca que se apaixonou por fado e por Portugal depois de ver Lisbon Story, o filme de Win Wenders.
Mudou-se para Lisboa e foi numa casa de fados que, uma noite, viu e ouviu Daniel Vieira a cantar. Cantaram muitas vezes juntos, depois disso. Agora têm ambos um atelier de artes em Alte – e Renata também tem uma casa de fados. Numa das últimas edições do festival Fusos, ali mesmo na aldeia, viu cantar Teresa Salgueiro. Escreveu Renata que 14 anos depois “o tempo deu uma volta”. E ela pôde ouvir, na aldeia que escolheu viver no Algarve, “uma alma gémea, uma mentora e estrela guia” cuja voz determinou o seu caminho.
Aldeia cultural
Estava previsto ser bianual, mas o famigerado concurso de 1938 ficou-se pela primeira edição. E haveria de ganhar Monsanto, a aldeia de Idanha-a-Nova que desde então, e praticamente, ficou com o epíteto de forma definitiva. Mas os altenses nunca perderam o brio, e a aldeia de Alte ganhou instituições culturais que duram até aos dias de hoje. Como se estivesse sempre preparada – ou a preparar-se – para nova edição do concurso.
Foi nesse ano de 1938, e por causa do tal concurso, que se fundou a Casa do Povo de Alte – foi mesmo uma da primeiras do país. E, dois anos mais tarde, fundou-se o Grupo Folclórico de Alte, dando um caráter formal ao grupo que haveria de representar não só a aldeia, mas toda a região do Algarve, na Exposição do Mundo Português, organizada em Lisboa pelo Estado Novo.
A Casa do Povo e o Grupo Folclórico são, assim, duas instituições que atravessaram as décadas e os regimes políticos e continuam, hoje, a ser importantes. A Casa do Povo continua a ser o garante de muitas iniciativas de apoio à freguesia. O Rancho Folclórico perdeu a notável vitalidade que teve ao longo das décadas ,ainda antes da pandemia, por falta de disponibilidade horária dos seus elementos.
Carlos Matoso, o últimos ensaiador do grupo, diz que foi por causa do rancho que se manteve sempre por Alte e resistiu aos apelos para procurar governar a vida noutras geografias. Foi no rancho que começou dançarino – o par veio a ser a sua mulher. Foi por causa do rancho que fez muitas viagens a várias cidades, a vários países (“desde que saí do rancho que nunca mais viajei para o estrangeiro”, lamenta). Foi no rancho que viu o filho crescer para a música, para o convívio, para os palcos, para a festa – o filho é o fadista César Matoso.
O rancho até ia tendo elementos para manter os ensaios, mas depois quase sempre faltavam elementos para garantir as atuações. “Havia muita gente nova, que começou a trabalhar na hotelaria, no turismo, e aos dias de semana era complicado conseguirem ter folga. Fomos obrigados a parar”, diz Carlos Matoso, assumindo a tristeza desse fato. Uma tristeza que só compensa com um outro: o de continuar a haver transmissão geracional e interesse dos mais novos na continuidade de outras instituições.
Carlos Matoso fala do orgulho que sente na profissão que abraçou, a de animador cultural no Centro de Animação e Apoio Comunitário de Alte, onde funcionam projetos de animação da infância, ou o ASAS – Aldeia dos Saberes e dos Afetos. “Na nossa aldeia houve sempre muita atividade cultural, desde a igreja, o jornal, a música, o teatro. O associativismo está aqui muito enraizado. Eu ainda fiz teatro com o Daniel Vieira, eles como professores e eu como aluno. E agora alunas que passaram por mim no ATL estão hoje à frente de trabalhos com as crianças e com os velhotes, no ASAS”, relata.
O Centro de Animação começou com a ocupação dos Tempos Livres das crianças e jovens da freguesia de Alte como preocupação principal. Hoje em dia, sinais dos tempos, o ASAS tem como grande preocupação quebrar o isolamento dos mais idosos e refazer laços de proximidade intergeracionais.
Vítor Martins sabe bem o que é o isolamento e a solidão de alguns idosos. “Há alguns montes por essa serra fora onde já só vivem um ou dois velhotes. Às vezes, as únicas pessoas com quem falam é o peixeiro ou o padeiro”, afirma, assumindo a sua quota parte. Vitor tem quase 50 anos e desde os 18 que anda a conduzir uma carrinha a vender peixe por toda a freguesia de Alte. Levanta-se às duas da manhã para ir à lota de Portimão buscar peixe fresquinho e depois rodar por toda a freguesia.
“Os meus pais e os meus avós já faziam isto, e eu também nunca pensei em fazer mais nada. Sei que se tivesse peixaria montada, era para morrer. Já tinha fechado há muito. Assim vou sempre rodando por aí, às vezes faço-lhes recados e ouço-lhes as histórias. Ouço o que quero e o que não quero, que o que aqui mais há são histórias, algumas mirabolantes”, conta Vítor, sorrindo muito para gáudio dos fregueses que já se aproximaram das traseiras da carrinha para ver o que o mar lhes trouxe naquele dia. Vítor não é psicólogo, mas sente que às vezes precisava de sê-lo. “Mas afinal o que mais gosto nisto que faço é de andar mesmo por aí a falar com as pessoas”, admite.
Por agora, antes de rumar às aldeias vizinhas de Benafim, Sarnadas e Torre pára para tomar mais um descafeinado no café do primo Pedro. Termina a volta pelos montes bem ao fim da manhã, e depois de almoço dorme a sesta. Só assim consegue continuar a ter energia para se levantar quase à hora a que os mais festeiros vão dormir.
E em Alte há sempre muitas festas no calendário. Naquele fim de semana, antes da Páscoa, era na pequena aldeia de Sarnadas que iria ser organizado um baile da pinha – e a pinha não havia de ser aberta antes da meia-noite ou uma da manhã. Com menos de 100 habitantes, a aldeia tem dois restaurantes, um hotel e uma procura crescente trazida pela abertura da Casa do Esparto. E o antigo Clube das Sarnadas, que foi criado para organizar a caça e estava adormecido, rejuvenesceu com o objetivo de revitalizar a aldeia. Foi o Clube das Sarnadas quem organizou o baile da pinha.
A Casa do Esparto foi uma iniciativa da Câmara Municipal de Loulé que permitiu recuperar a antiga escola primária ao mesmo tempo que procura manter a tradição do trabalho no esparto, uma atividade económica que foi muito importante em toda a freguesia. Servia para fazer cordas, redes, cestos e ceirões, para trazer os produtos do campo e os peixes do mar. E servia para fazer tapetes, bases para tachos e criativas peças de decoração.
Era preciso apanhar o esparto no monte, molhá-lo, batê-lo, torcê-lo, entrançá-lo, fazer a empreita. Desses tempos sobram pouco mais do que as memórias – e da rua dos Pisadoiros, onde a placa anuncia que era ali que as mulheres se juntavam para lidar o esparto batendo-o contra um pedra, resta apenas uma gravura.
O esparto já é comprado batido, mas continua a ser trabalhado. Aldegundes Gomes é uma das artesãs que abre as portas da Casa do Esparto para mostrar aos visitantes, e aos alunos que se inscrevem nos cursos organizados pela Câmara de Loulé, como se trabalha esta planta. À conta do esparto, Aldegundes ajudou a matar a fome a muitas famílias. Hoje em dia é o esparto que a ajuda a espantar o tédio e o cansaço. Tem 89 anos, nunca parou de trabalhar. “Às vezes trabalho no esparto até para descansar da lida da casa”, diz a artesã. Sim, que o que lhe sai das mãos são peças de arte.
A arte salva
Com 87 anos, quase a idade de Aldegundes, também é a arte que todos os dias salva Daniel Vieira. Daniel quis seguir as pisadas do pai, à sombra do pai, que foi muita coisa: contabilista e autarca, jornalista (assinou crónicas e reportagens); foi um ávido colecionador de contos, modos de falar, cantigas; foi tocador de guitarra, viola e violino.
Daniel, tal como o pai, também é muitas coisas. É, antes de tudo, um pintor. Foi funcionário público e professor de artes visuais, depois de se reformar, voltou à escola. Fez um mestrado em Novas tecnologias na área da pintura, aos 76 anos inscreveu-se numa pós-graduação em Arte Sonora, queria aprender a fundir as sonoridades folclóricas com a música eletrónica.
Foi dele a ideia de fazer, em 1994, a Horta das Artes – Centro de Artes e Culturas, um projeto plural que engloba artes plásticas, música, teatro e filme, e desenvolve trabalhos de recolha na área da música e literatura populares. Participou no Grupo Folclórico de Alte e no grupo Almanaque. Criou e participou nos grupos Levante e Erva Doce, onde tocava cavaquinho e bandolim.
Diz que foi sempre um eterno trabalhador-estudante. Um boémio notívago, que frequenta casas de fado e bailes de forró. Mas, dizia, Daniel Vieira é, antes de tudo, um pintor. E é à casa onde nasceu, e que agora é o seu atelier de pintura, que continua a ir todos os dias, nem sabe bem fazer o quê. “Pintar sempre qualquer coisa. Porque os trabalhos nunca estão acabados”, diz.
As paredes da centenária casa são uma espécie de livro aberto. Há quadros, gravuras, fotografias, anotações, registos, memórias por todo o lado. Há esboços, pincéis e tintas. E há o cadeirão junto à janela onde gosta de se sentar. E é de lá que, com a ajuda da memória, gosta de contemplar Alte através da janela do tempo.
Do lado de fora da janela, umas portas rua acima, está, de um lado a gravura de Sérgio Silva e a sua guitarra – médico em Alte, é membro fundador do grupo de música popular Erva Doce. Umas portas rua abaixo está a homenagem a um dos pares que, no Rancho Folclórico de Alte, melhor dançava a Travadinha. As fotografias tornaram-se gravuras, as gravuras tornaram-se arte urbana.
As fotografias são, afinal, uma boa forma de guardar memórias. Albertina Madeira guarda-as em vários álbuns e caixas, memorabilia a que gosta de voltar, muitas vezes. Sónia Silva, uma altense que trabalha na Câmara de Loulé, acredita que as fotografias são a melhor forma de contar a história da sua aldeia. Todos os meses, no Pólo Museológico Cândido Guerreiro e Condes de Alte dinamiza a sessão “Alte através da janela do tempo”, onde mostra imagens antigas e convida os presentes a comentá-las.
Como a imagem de um piquenique na Fonte Grande. “Foi nesse sítio que eu fiz a minha boda”, ouviu-se na sala”. Ou uma fotografia dos tempos em que quase não havia carros na freguesia – “nessa altura as estradas pareciam mais largas”, alguém comenta. Ou ainda uma outra, com uma réplica feita em 1994 de uma chaminé de quase 200 anos. “Foi feito pelo senhor Edmundo, pedreiro de profissão”, informa Sónia. “Essa casa foi onde a minha mãe nasceu”, responderam-lhe da plateia.
E essa mesma pessoa conta que sempre ouviu dizer que as chaminés eram sinal de riqueza, e que quando o dono de uma casa encomendava uma ao pedreiro, recebia sempre uma pergunta: queria uma chaminé de quantos dias? “Essa chaminé que se vê ainda na foto deve ser uma chaminé de sete dias de trabalho. É muito rica”. Sónia não tinha nada a acrescentar. “Tenho é sempre muito a aprender”, confessa, dizendo-se uma privilegiada por poder conhecer as histórias da sua terra através destas sessões.
Uma das fotos que Sónia levou à sessão é a mesma que está na “mais famosa curva do Algarve” – a dos ciclistas que na Volta a Portugal passaram por Alte, em 1953. “Um dia um senhor da Câmara de Loulé chegou-me aqui ao café a mostrar uma revista com fotos antigas.
E eu quando olhei para a foto reconheci logo que era nesta curva, aqui em Alte, e tratei de perguntar pela fotografia”, conta Pedro Pirralho. Foi por sua iniciativa que a Junta de Freguesia de Alte a mandou ampliar e a colocou junto à mesma curva onde foi tirada há 70 anos.
O mundo dá voltas e voltas, mas no fim tudo acaba por fazer sentido. Por isso Pedro – Domingues não podia estar noutro sítio que não ali. Na mais conhecida curva da EN124, em plena serra do Caldeirão. No mesmo sítio onde o avô, em tempos, chegou a ter uma loja de bicicletas.
E onde hoje está a receber velhos amigos, a fazer amigos novos, a homenagear o avô e a sua paixão por bicicletas, a celebrar a mãe e o seu talento para a música, a divulgar a aldeia e todos os seus produtos. Afinal, daquela curva da estrada, Germano oferece uma janela para a aldeia e para todas as suas artes.
Mais sobre Alte
Daniel Vieira, o artista
É pintor, faz gravuras, canta fado. Toca vários instrumentos, cantou e dançou no rancho folclórico, integrou o grupo Almanaque. É um apaixonado por música tradicional e vai a bailes de forró. Foi funcionário público, professor de artes visuais, um eterno trabalhador estudante. Aos 76 anos inscreveu-se numa pós graduação em artes sonoras, “porque há sempre algo para aprender”. Não gosta de terminar as suas peças. “Terminar é morrer”. Em junho faz 87 anos. Continua cheio de vida. E de planos.
Albertina Madeira, a centenária diretora do jornal
Com 101 anos, ainda dirige um jornal que envia para os emigrantes da aldeia e empenha-se em fazer licores e bolinhos para ofertar a quem a visita. Sabe que é suspeita, mas garante que Alte é a mais bonita aldeia de Portugal – mesmo que não tenha ganho o concurso da aldeia mais portuguesa, lançado pelo antigo regime. Albertina lembra-se dos preparativos para esse concurso – aliás, lembra-se de quase tudo. Mesmo que já tenha passado quase um século.
Ler Artigo Albertina Madeira, a centenária diretora do jornal
Pedro Pirralho, o Germano das bicicletas
Todos o conhecem por Germano – era o nome do avô, foi o nome que deu à marca das bicicletas que se propôs a recuperar, aproveitando material obsoleto. É o nome do café que abriu na aldeia de Alte, a aldeia onde a mãe nasceu para onde voltou no início da sua adolescência. Em Lisboa, onde cresceu, todos os chamam de Pedro Pirralho. Por baptismo, afinal, é Pedro Domingues. Qualquer que seja o nome, o sonho é apenas um: honrar o nome do avô e trazer sempre mais e mais ciclistas à aldeia e à serra do Algarve. Foi o autor do Estendal da Volta.
Aldegundes Gomes, a artesã da Casa do Esparto
É mais velha das quatro artesãs que continua a mostrar, na Casa do Esparto na aldeia de Sarnadas, como é que se trabalha esta fibra selvagem e se transforma em peças utilitárias e decorativas. Com 89 anos, memórias vívidas e apreciadora de contar histórias, Aldegundes diz que é a trabalhar o esparto que consegue descansar. Descansar nem que seja da lida doméstica ou do trabalho atrás do balcão da velha mercearia que continua de portas abertas no centro da aldeia.
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