Depois dos incêndios de 2017 e 2022, os habitantes da única freguesia do concelho de Gouveia que teve uma taxa de variação positiva nos últimos censos querem mostrar porque é que as aldeias de Figueiró da Serra e Freixo da Serra são comunidades vivas e aldeias resilientes. A Veredas da Estrela é o melhor cartão de visita de um território onde ainda há pastores e floresta, onde há memória e passado e, sobretudo, onde há horizonte. E futuro.
Houve um antes e um depois daquele fatídico dia 15 de outubro. Corria o ano de 2017 e em apenas 24 horas irromperam 500 focos de incêndio em 40 concelhos do norte e centro de Portugal. O que lavrou nas aldeias de Figueiró da Serra e Freixo da Serra, uma união de freguesias no concelho de Gouveia, mudou-lhes a vida para todo o sempre. Mesmo, e até, para aqueles que ainda não viviam naquele vale.
Arménio Teixeira, um empresário de 77 anos que viu muito no mundo (viveu quase meio século nos Estados Unidos, viajou muito pela América e pela Europa), diz que nunca viu nenhum lugar – nem na Suíça, nem no Colorado, “o estado mais bonito de todos os Estados Unidos” – que fosse tão bonito como aquele. “Pelos desfiladeiros que tinha, pelo preenchimento de árvores, pela variedade de vegetação”, explica Arménio.
Corinna Lawrenz, alemã, que talvez não tenha viajado tanto como Arménio, mas que não tem a sua visão emocional amplificada pelo facto de ter nascido naquela aldeia, concorda que a paisagem florestal naquela vertente da serra era mais qualificada do que em grande parte do país.
Havia algo especial naquelas duas aldeias, e o incêndio de 2017 quase deitava tudo a perder. Arménio chegou a pensar que não poderia continuar a viver ali. Corinna que, juntamente com o companheiro, Nik Völker, já tinha escolhido uma quinta para comprar, e trocar a vida urbana de Lisboa pelos ares sadios da serra, pensou em desistir.
Mas Arménio ficou: “No dia a seguir, a ideia de ir embora passou-me”. E Corinna e Nik compraram mesmo a quinta: “A Presidente da Junta explicou-nos que tinha havido muitos estragos na aldeia, e que na nossa quinta uma parte do bosque tinha sido afetado. Mas os vizinhos tinham impedido que o fogo fizesse mais estragos. E eu ainda nem conhecia os nossos vizinhos”, diz Corinna.
Viveram-se momentos terríveis, minutos assustadores. Arderam árvores, portas, telhados, quintais. Nem a capela do cemitério saiu incólume, a imagem do Santo António ardeu, para espanto e incredulidade de todos. Arménio Teixeira, que viveu um grande susto na guerra, em Angola, pensou pela segunda vez na vida que poderia não sobreviver. Mas o incêndio passou, a noite acabou. E o dia trouxe-lhes primeiro desesperança, depois força.
“Vamo-nos habituando à paisagem queimada e a estarmos manchados de cinza cada vez que vamos buscar lenha. A natureza está aqui para nos dizer que é sempre possível regenerar, é sempre possível sonhar”, diz Gonçalo Teixeira, que nasceu em Lisboa e cresceu em Carcavelos, tirou um mestrado em Agricultura Biológica e se tornou permacultor. Vive em Figueiró da Serra há oito anos, depois de comprar a Quinta da Regadinha, num vale então idílico e onde viviam mais famílias. Nesse mesmo ano de 2017, Gonçalo e Rita foram pais de Dana. Mas deixaram de ter vizinhos próximos. As outras famílias foram embora. A de Gonçalo ficou.
No mapa de Portugal os territórios do interior aparecem sempre pintados de cores frias, em tons de azul que mostram invariavelmente perdas de população. Mas a União de Freguesias de Figueiró da Serra e de Freixo da Serra é a avermelhada excepção que confirma a regra, e cresceu o numero de habitantes em 4%. São, segundo o Censos 2021, exatas 378 pessoas. A maior parte vive em Figueiró da Serra, mais de 200. No Freixo viverão umas 70 pessoas.
Estas duas aldeias da serra parecem ser diferentes de muitas. E a diferença estará mais nas pessoas – sejam elas muitas ou poucas – do que na paisagem. Corinna Lawrenz detém-se a pensar na razão que a fez insistir no investimento depois do grande incêndio. “Quando andas pelo país fora encontras aldeias que estão mortas, à volta das aldeias já não há nada. Aqui não é o caso. A comunidade ainda está ativa, viva. Isso foi algo que nos chamou para cá, e que nos prendeu naquela fase”, admite.
E, apesar de elogiar a vontade de pessoas que, como ela, escolhem “estes sítios” para viver, refere ser “bem mais importante” destacar as pessoas que já lá estão. “Porque só assim é que quem vem pode encontrar uma comunidade viva, aldeias vivas”.
Ainda há pastores
António Ferreira tem 54 anos e dois filhos. O pai, Manuel, era pastor. O filho, Leandro, também diz que levar as ovelhas a pastar é o que mais gosta de fazer nos seus dias; dias que incluem trabalhar numa empresa de construção civil como estucador. “Não consigo explicar porque é que gosto de andar com as ovelhas mais do que fazer tudo o resto. Talvez porque elas não chateiam ninguém e eu ande ali, com elas, em liberdade”, explica Leandro.
Seguir as pisadas dos pais é motivação importante, mas não determina tudo. É preciso gostar. António lembra-se de ter dez anos e de o pai chegar de França e comprar um rebanho. “Ficou-me logo o vício”. Diz que as ovelhas sempre gostaram de andar com ele, porque ele andava sempre a “apaparicá-las”: “ainda hoje gosto de olhar para as ovelhas, saber-lhes o nome, falar com elas. Esta é a Camila, aquela é a Aida. Aquela é a Esperança”, enumera. António tem 50 ovelhas, e “quase todas” têm nome.
Ele levanta-se às seis para as ordenhar, e só depois vai para a empresa de construção civil. A mulher, Cristina, tira-as do estábulo e leva-as para o campo. À tarde é o filho, Leandro, que as acompanha e as recolhe. E à noite António vai ordenhá-las outra vez. Com o leite recolhido a mulher faz um ou dois queijos por dia. “De segunda a domingo, de verão e de inverno. Não há férias para ninguém. Mas nós os quatro [Leandro tem uma irmã, Cristiana] gostamos muito disto e dividimos todas as tarefas, entre todos”, diz António.
Leandro ouve o pai e vai buscar uma fotografia onde estão os três: o avô Manuel, o pai António e ele, o filho, Leandro. “Estão aqui as três gerações, todos com a manta de pastor ao ombro”, mostra. É uma montagem, explica de seguida. Nunca estiveram os três, lado a lado, ao mesmo tempo. Mas naquela moldura, e nas suas lembranças, é assim que se vêem. Com orgulho, à frente das ovelhas, em dia de romaria.
A romaria das ovelhas, que se faz por altura da festa religiosa à padroeira em cada uma das aldeias, chegou a estar perigo, a quase perder-se. Na freguesia houve muitos pastores. Houve uma fábrica de lanifícios em Freixo da Serra, houve duas fábricas de lanifícios em Figueiró da Serra. Agora não há nenhuma, a lã é um produto subvalorizado.
Há agora poucos pastores, mas os que ficaram resistem. António vive em Figueiró, não leva as suas ovelhas ao Freixo. Mas não deixará de lá estar, a ver os dois rebanhos da aldeia a darem três voltas à igreja paroquial em cada sentido.
É no último fim de semana de agosto, altura em que nas festas à Nossa Senhora do Ó, padroeira das grávidas, a população de Freixo da Serra mais do que duplica. A grande parte das casas, fechadas no ano todo, abrem as portas e janelas e enchem-se de vida. O pequeno largo da aldeia agiganta-se para receber camiões-palco e bailes prolongados.
Nuno Tenreiro, filho da terra mas a viver em Viseu, é o mordomo das festas. “Tenho muito orgulho em ser freixiense e em pertencer à mais pequena freguesia do concelho de Gouveia. No último fim de semana de agosto já toda a gente sabe. Tentamos sempre manter a tradição. O Freixo pode ser uma terra pequena, mas tentamos sempre fazer uma festa grande”, explica. Houve anos em que só se fez a festa pagã – a dos bailes e dos conjuntos. Mas, diz Tenreiro, é também importante manter a religiosa, romaria das ovelhas incluída.
Um rebanho de cada vez. Primeiro o do pastor José Albano. São umas poucas dezenas. O pastor vai à frente, as ovelhas seguem-no. Dá uma ou duas voltas à igreja, as necessárias para que as ovelhas tresmalhadas estejam já todas no carreiro, e permaneçam umas atrás das outras, mesmo que à frente delas já não esteja o pastor – que as “engana” e sai da liderança sem elas se aperceberem.
Três voltas à igreja para um lado. Três voltas à igreja para o outro. José Albano retira-se com as suas ovelhas, chega Álvaro Abrantes e a mulher, Maria Cantarinha. Trazem mais de 400 ovelhas.
Já não há borlas enfeitadas (berloques coloridos que no passado se colocavam nos cornos nas ovelhas), mas a romaria do gado ainda é uma festa. Mais por tradição do que por devoção – o objetivo era pedir a benção da padroeira para os animais -, a romaria cumpre-se.
Foi a tosquia às ovelhas de Zé Albano que permitiu que nos lavadouros públicos de Freixo da Serra pudesse ser realizada uma Oficina da Lã, nesse mesmo fim de semana em que todas as estradas iam dar a Freixo da Serra e à sua festa.
Coordenado por Rita Salvado, diretora do Museu de Lanifícios da Universidade da Beira Interior, na Covilhã, e com a participação de Andreia Felix, técnica do museu, cerca de dezena e meia participantes pôde aprender a lavar, a cardar, a fiar e a feltrar a lã.
A organização desta oficina esteve a cargo da Veredas da Estrela, uma associação comunitária que foi criada uma semana depois de, em agosto de 2022, outro incêndio ter voltado a varrer as aldeias de Figueiró e Freixo da Serra. Foi quando gente de todas as idades e proveniências entendeu que estava na altura de dizer “basta”, e que era a própria comunidade que tinha de fazer alguma coisa.
O antes e depois dos incêndios ficou marcado por esse dia 19 de agosto, data da primeira reunião que levou à constituição da Veredas da Estrela – Associação para o Futuro das comunidades de Figueiró da Serra e Freixo da Serra.
Veredas para o futuro
Desde o incêndio de 2017 que alguma coisa tinha sido feita. Arménio lembra-se de que os habitantes da aldeia se reuniram, que se chegaram a fazer jantares para angariação de fundos, que chegou dinheiro da Suíça para ajudar a recuperar o território.
Corinna lembra-se de ter decidido comprar a quinta, de avançar com a sua regeneração, de conhecer melhor vizinhos como Encarnação Cardoso, de 77 anos de idade, ou o filho Júlio. Recorda-se de ter participado ativamente em ações com a comunidade para limpeza de terrenos públicos e de integrar o convite do grupo galego que constituiu as Brigadas Deseucaliptizadoras a participar numa acção voluntária no vizinho concelho de Seia.
“Estávamos todos alerta para o problema. Mas a ação não era propriamente concertada. Lembro-me de estar a olhar para o incêndio a descer a serra, e de estar a arder uma pequena área que tínhamos plantado junto às lagoas e de perguntar à Paula Tomé. E agora? Ela respondeu: ‘Agora, plantamos outra vez’. É mesmo isso. Não podemos desistir”, explica Corinna.
A experiência em programação cultural e organização de eventos, a facilidade em instruir candidaturas e organizar crowdfundings foram cruciais para que a constituição da Veredas da Estrela não fosse apenas “mais uma reunião que se faz à volta de um jantar e de uns copos de vinho”, como ironiza Arménio Teixeira. Sem se querer ver como tal, Corinna e Nick, com a sua formação e organização germânica, foram-se assumindo como maestros de uma orquestra onde “só” precisaram de juntar talentosos tocadores de vários instrumentos.
“Temos aqui uma comunidade diversa. Temos pessoas de todos os lados, temos pessoas de todas as idades e pessoas com talentos extremamente diversos também. Às vezes acho que, só por isso, já vale a pena”, diz. Corinna acredita que o mais importante em todo o trabalho associativo que tem vindo a fazer é o facto de estar envolvida num trabalho verdadeiramente comunitário, em que todos dão um contributo relevante. “De tal modo que a hierarquia tradicional de ter um presidente, um vice e um tesoureiro não nos servia”, explica Corinna.
A Veredas da Serra tem um presidente, ela própria, alemã, um vice-presidente, Pedro Faustino, e Carl Jones, ex-piloto da força aérea britânica e que vive naquela freguesia da Serra da Estrela desde 2012. Mas também tem uma pessoa para coordenar as intervenções no território, Júlio Cardoso; uma pessoa para coordenar as ações com a Juventude, Paula Tomé; e uma pessoa responsável pelo trabalho com a comunidade, Rafaela Mapril. Nik Völker, especialista em pôr em mapas toda a espécie de bases de dados, ficou com o pelouro da comunicação. Estão todos na direção da associação.
Na estrutura associativa estão também nomes de senadores como Arménio Teixeira que trazem o conhecimento do terreno e a memória das tradições passadas. E depois os “simples sócios”, como Tiago Gaspar, trazem a sabedoria de quem já andou em outras paragens geográficas e a força e a vontade de ajudar nas operações no terreno.
“Fiz-me sócio de imediato. Percebi que não era a associação do costume, a que se cria para fazer a gestão de um lar da terceira Idade ou para organizar umas almoçaradas. É uma associação para intervir no terreno. E eu acho que isso é essencial… Porque senão a aldeia acaba por adormecer, por se tornar um subúrbio também”, explica Tiago, que é dono de uma empresa de construção civil mas tem com a madeira uma relação muito especial. “Posso dizer que sou um carpinteiro de toscos”.
Tiago Gaspar cresceu numa aldeia em Leiria e foi-na vendo tornar-se um subúrbio, dormitório. Viveu alguns anos em Lisboa, e viu a cidade “perder identidade”. “Saí de Lisboa tinha vinte e cinco anos. Tenho quarenta. Foi há quinze anos, vi todos os tascos que frequentava a desaparecer. Para mim e para os meus amigos aquilo era uma questão quase identitária. Mas depois percebes que essa identidade não existe. Desaparece, de repente. Como quem muda de casa”, explica.
Com a adolescência passada num seminário e um percurso dedicado às humanidades e à filosofia, Tiago tornou-se carpinteiro, primeiro, construtor civil depois. Mas esteve sempre ligado à permacultura, ao trabalho numa quinta. Foi a companheira, Susana, também ela lisboeta, também ela com vontade de mudar de vida e de se ligar à terra quem escolheu Freixo da Serra.
Hoje são ambos membros ativos de uma comunidade que se preocupa com o ecossistema em que estão inseridos, e que participa na organização de eventos da Veredas da Estrela. “Porque até numa aldeia como esta se pode vir a aplicar a mesma perda de identidade que vimos noutros locais”, justifica Tiago Gaspar.
A importância da memória, a visão do futuro
Rafaela Mapril tem 55 anos e tinha o desgosto de ser urbana – mesmo não sabendo o que isso queria bem dizer. Nasceu em Lisboa, cresceu boa aluna, mas sempre “desenquadrada, desorientada”. “Umas das pancadas que tinha era vir para Freixo da Serra, a terra da minha avó, o sítio onde, contam-me, vim apanhar ar puro quando fiquei muito doente, aos cinco anos de idade”, explica. A Rafaela adulta também continuou a gostar da serra, mesmo que a determinada altura o conservadorismo dos avós impactasse a sua forma de ser. “Usar mini saia era problemático, falar com rapazes era problemático. Deixei de vir”, conta. Mas sempre que tinha um stress, uma angústia, um problema, metia-se de carro de Lisboa até ao Freixo, e quase à chegada, na estrada de Freixo da Serra para Vila Cortês, parava o carro numa curva e absorvia a paisagem.
“De lá olha-se para o vale todo. E eu chegava lá, saía do carro olhava para a paisagem e dizia ‘pronto, já passou. Está tudo bem’. Acho que esta paisagem é o espelho da minha alma. Olho para isto e isto faz-me feliz”, explica.
Formada em cenografia, e com uma carreira profissional como figurinista, foi quase sempre em Lisboa que encontrou trabalho. Mas foi em Freixo da Serra, e nas muitas pesquisas que fez durante um mestrado em gestão cultural (no ISCTE), ou num estágio que fez por iniciativa do IEFP na Câmara Municipal de Gouveia, após uma formação online em empreendedorismo, que melhor percebeu a importância da memória. “Aqui no Freixo há uma população envelhecida, mas que por ser envelhecida tem a mais-valia de conhecer um mundo que já não existe. De repente pensei: espera, a memória tem uma utilidade”, argumenta.
Rafaela foi a primeira responsável por abrir ao público, em agosto de 2018, o Museu do Freixo, uma antiga casa forno comunitária cheia de objetos dados por pessoas do Freixo e arredores. “O museu estava fechado há 14 anos. Quando reabriu foi toda a gente lá. Foi o reviver do espírito de comunidade. E o Freixo era uma aldeia onde havia tudo. Havia costureira, sapateiro, pedreiros, carpinteiros, tudo. Uma aldeia viva, muito diferente daquilo que eu conheci. E isso foi muito engraçado”, diz Rafaela.
O museu não está sempre aberto ao público, mas abre a pedido. Ou Rafaela ou Carl – que, doze anos depois ainda batalha com o português e diz que quer praticá-lo – abrem as portas aos curiosos e dão as explicações possíveis. Mas as memórias e as histórias andam na boca de toda a gente. “A aldeia tem pouquíssima gente mas mesmo assim a minha vida social aqui é incomparavelmente mais ativa do que em Lisboa. Em Lisboa passo a porta do prédio, subo no elevador, entro no apartamento, fecho a porta e acabou. Não há mundo exterior. Aqui há sempre o mundo exterior; e o mundo exterior está mesmo aqui ao meu lado e bate-me à janela se for preciso”, relata Rafaela.
A utilidade da memória pode ajudar, também, a regenerar os ecossistemas. E esse é o principal objetivo da Veredas da Estrela. Afinal, havia muita mais gente a viver na serra e entre elas pessoas como Encarnação Cardoso, que continuam a conseguir tirar da terra, mesmo depois de todas as alterações climáticas, uma enorme variedade de produtos hortícolas. “Queremos voltar a plantar cereais. Queremos voltar a ter um ecossistema resiliente”, diz Corinna.
Depois da experiência de terem recebido as brigadas deseucaliptizadoras e perceber que, cinco anos depois, aquela associação criada na Galiza mantém a energia para continuar a limpar terrenos e a semear arvores autóctones, mesmo com base numa estrutura de voluntariado, os membros da Veredas da Estrela saíram ainda com mais vontade de trabalhar. Projetos não faltam.
Transformar um giestal ardido num campo de centenico, não só para cultivar esta variedade de centeio mas também para começar a criar uma zona de proteção da aldeia e das árvores sobreviventes. Comprar um soito ardido e transformá-lo num bosque comunitário. Limpar os antigos caminhos públicos, tomados pelo abandono e pela vegetação e ir abrindo veredas, trilhos que se podem tornar turísticos “para acomodar um turismo diferente daquele que vem ao baloiço, tira uma selfie e vai embora”, diz Corinna. Apoiar a pastorícia extensiva tradicional, tentar revalorizar subprodutos como agora é a lã.
“Devemos reconhecer o importante trabalho dos pastores, não apenas como um trabalho que produz carne, queijo e lã, mas também um trabalho de gestão de paisagem”, explica.
“É interessante como o fogo, hoje em dia, nos está a obrigar a reaprender a viver com a natureza”, limita-se a constatar Gonçalo Teixeira, o jovem permacultor que, afinal, só quer mostrar aos seus três filhos “como é que a natureza funciona e o quão interligados estamos com ela”.
“Tenhamos nós vindo do macaco ou de Marte, ou uma mistura dos dois, nós fazemos parte da natureza. E se compreendermos como é que ela se comporta, também percebemos como é que nos devemos comportar no meio dela. E isso permite-nos também dar mais valor às pessoas”, afirma.
As pessoas, sempre as pessoas.
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Corinna Lawrenz, a batalhadora
Corinna é programadora cultural, investigadora e facilitadora. Mas também é escritora, editora e tradutora. É alemã e precisa de pouco mais do que uma boa ligação à internet para continuar a trabalhar para o seu país natal. Mas sente vontade, e necessidade, de criar impacto na terra onde escolheu viver. É a presidente da Veredas da Estrela, e uma força de trabalho e de organização inspiradora para os outros membros da comunidade.
Gonçalo Teixeira, o regenerador
A visão do vale de Figueiró da Serra trouxe amor à primeira vista ao jovem casal que, até então, trabalhava numa quinta de permacultura no Algarve. Foi em 2015, quando havia mais gente no vale. Veio o incêndio, e foram todos embora. Gonçalo e Rita ficaram, com uma bebé nos braços. Veio mais um incêndio e um par de gémeos. Gonçalo e Rita aprenderam o lugar dos homens na natureza – e querem ter a certeza que os filhos também vão aprender.
Rafaela Mapril, a estudiosa
Trabalha no mundo das artes, como figurinista para várias companhias de teatro. Mas sempre teve uma pancada pelo Freixo da Serra. Tanto que decidiu estudar turismo e gestão cultural para conseguir investigar e inventariar todas as tradições e património da aldeia onde nasceu a avó. Vendeu a casa que tinha em Lisboa para poder comprar quase um bairro na aldeia do Freixo, e ter finalmente um casa com quintal.
Arménio Teixeira, o regressado
Foi militar em Angola, foi empreendedor nos Estados Unidos. Esteve perto de Providence, em Rhode Island, mais de 50 anos, mas foi na aldeia onde nasceu que escolheu “meter o motor em quinta, e deixá-lo rodar”. Diz que o incêndio de 2017 alterou profundamente a paisagem da região, mas acredita que é possível tentar regenerar a serra. E está empenhado em ajudar.
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