Nasceu na Bélgica, viajou pelo mundo, é profissional de turismo. Aos 34 anos diz ter a sorte, e o privilégio, de ter encontrado no projeto da ASTA um sentido para a vida e um espaço onde quer montar um ninho familiar, e continuar a aprender. É coordenadora do projeto “Contigo, há Descoberta!”, uma iniciativa de turismo social, inclusivo e de natureza. Agora só está preocupada em continuar a aprender, vai tirar o curso de Socioterapia e Pedagogia Curativa para poder partilhar com os companheiros muitas descobertas. Eis o seu testemunho.
“Encontrei na Cabreira um sentido para a minha vida!”
Chamo-me Anémone Leton, nasci na Bélgica e sou formada em Turismo. Tive muita, muita sorte em encontrar a ASTA e este sítio tão especial, onde nos podemos re-encantar todos os dias. Estou como responsável pelo turismo, aqui na associação, e a coordenar o programa “Contigo, há Descoberta”, uma iniciativa de turismo social, inclusivo e de natureza.
O programa foi uma ideia da fundadora, Maria José Dinis. Já se pensava muito num projeto de turismo porque ao longo dos 20 e tal anos de existência da ASTA, houve cada vez mais pessoas que vinham aqui visitar e perguntavam: “será que podemos ficar alguns dias convosco? queremos aprender mais e partilhar convosco”.
A ideia de montar o “Contigo há Descoberta, veio nesse sentido e na intenção de pôr os nossos companheiros como personagem central destas atividades. Ou seja, eles conduzem as atividades todas, mostram às pessoas que nos vêm visitar todos os seus trabalhos. Porque ao longo de todos estes anos eles foram adquirindo muito conhecimento e passaram a ser mestres naquilo que fazem, no saber-fazer.
Este programa de turismo também tem, por isso, o intuito de manter estas tradições vivas. Nós trabalhamos com todos os materiais que temos aqui à nossa volta, reciclamos. As pessoas que vêm ter connosco, podem conhecer o trabalho que é feito nas oficinas de artesanato, tanto no ciclo da lã, como no ciclo das velas, na tecelagem ou na olaria.
Há muita coisa que nos parece que não é tão fácil, porque ficamos às vezes muito presos na nossa mente e não deixamos as nossas mãos se expressarem. Para os companheiros, pelo contrário, passa tudo muito mais pela ação. Eles põem verdadeiramente o seu coração naquilo que fazem com as mãos, e tudo corre mais fluido, de uma forma muito mais genuína e simples. E é isso que as pessoas podem vir aprender aqui ao nosso lado. E além disso, as pessoas vêm encontrar-se também aqui, há o encontro que se cria entre os visitantes e os companheiros e tanto temos a aprender com eles, como eles têm a aprender connosco. O mesmo com as visitas guiadas que fazemos não só à nossa aldeia da Cabreira, com o trilho da Pastora, como também nas visitas guiadas às aldeias históricas que estão aqui na nossa envolvência. Nunca são “apenas” visitas guiadas.
Este programa permite desconstruir uma mistificação e mostrar que pessoas com uma necessidade especial podem oferecer um serviço que contempla qualidade, como todos os outros operadores do setor do turismo. E muita gente que passou por cá nos diz que vai muito além disso. É uma experiência transformadora, enriquecedora a todos os níveis, é um desenvolvimento, é um encontro humano.
Vou dar um exemplo. Houve uma família que passou connsoco dois ou três dias, e o pai trabalhava na hotelaria. No final da estadia ele disse: “o que me importou aqui não foi ver uma cama bem feita, nem um serviço de mesa ótimo. Foi ver como é que tu, Guilherme, conseguiste tornar o meu dia melhor e pôr sorrisos na cara dos meus filhos e isso tem a ver com a magia que tu tens cá dentro”. Creio que não há melhor forma de demonstrar o impacto que eles podem propor às pessoas que nos vêm visitar e a felicidade que gera aos companheiros também.
Desde que começou o programa, e os companheiros começaram a receber os visitantes, foi visível o que aconteceu ao nível da autoestima. O permitir que eles se possam perceber concretamente : “Eu sou capaz, as pessoas aprendem comigo”. E depois vão contar nas suas casas, nos seus núcleos familiares, olha o que eu consegui passar e partilhar com pessoas que não faziam ideia do que nós fazemos aqui.
Tudo isto para mim, pessoalmente, também tem sido uma enorme descoberta. No final do meu curso eu desenvolvi uma tese sobre o turismo de encanto. E o que eu tenho aqui é um recanto de encantos.
Não temos tempo para prestar atenção aos pequenos detalhes e sinais que a vida nos manda. E então, em sítios como este, onde podemos parar, podemos ouvir o silêncio, podemos estar na simplicidade de uma conversa com gente, podemos brincar (o humor também é muito importante), podemos sentir o calor humano, não é? Permite-nos re-encantar pela vida, simplesmente.
Eu acho que é um bocadinho isso que tenho a sorte de viver todos os dias. A de me re-encantar por pequenos recantos como este.
Eu viajei muito, e pela primeira vez na minha vida fiquei com vontade de ficar aqui, porque é um sítio muito mais tranquilo. Quando era jovem, saía com a mochila às costas, viajei a Europa toda de comboio … Quando terminei o curso, fui, durante um ano, viajar pelos parques nacionais dos Estados Unidos (fui a todos!). Sempre à procura de onde é que eu pertenço, onde é que vou parar, porque o mundo é tão vasto. E foi pela primeira vez quando cheguei aqui que encontrei um sentido para a minha vida. E disse okay, eu sou útil aqui, vou tornar o dia dos meus queridos amigos mais feliz.
Isso acabou por ser o sentido da minha vida, saber que é aqui que pertenço. Eu acho que tenho muita sorte porque só tenho 34 anos e há muita gente que passa a vida toda a procurar qual é o sentido da sua vida e eu já me sinto aqui em paz, a pensar que é aqui que eu pertenço, é aqui que vou fundar a minha família. Tenho um menino que já nasceu cá e tenho uma família grande aqui com a ASTA.
Então agora o desafio é formar-me. Quero chegar aos meus companheiros cada vez mais assertivamente. Vou iniciar agora em novembro uma formação em Socioterapia e Pedagogia Curativa. E pronto, é por aí, continuar a formar-me, continuar com a mesma curiosidade que sempre me animou até agora e ficar aberta às pequenas coisas…
Estamos sempre muito preocupados com o que é que será o futuro. Talvez seja apenas semear pequenas sementes e saber como as regar. Não basta sol e luz. Eu acho que descobri aqui que o amor e o olhar com o coração é que é fundamental. Então, para o futuro eu espero continuar a poder olhar dessa forma, a não desanimar, a continuar com muita força nestas descobertas diárias e continuarmos o caminho juntos.
Mais sobre Cabreira
Cabreira do Côa, a aldeia dos companheiros
Conta-se que, desde há muito tempo, num pequeno vale abrigado por grandes pedras arredondadas, na raia com Espanha e a oeste de um rio que corre para norte e se chama Côa, vivia uma pequena comunidade de gente corajosa, simples e afável. Desde há 25 anos que a aldeia da Cabreira, no concelho de Almeida é também a morada da ASTA, uma associação sócio terapêutica dedicada à deficiência mental, que não tem utentes nem clientes. Tem companheiros e é um caso sério de compromisso com a integração social.
“Contigo, há Descoberta”, um programa de turismo inclusivo
Iniciativa de turismo social, inclusivo e de natureza é dinamizada pela ASTA – Associação Sócio Terapêutica de Almeida, e tem uma oferta estruturada de um, dois dias ou uma semana direcionada para adultos e crianças, empresas e famílias, todos os que procurem uma experiência turística humanizada e humanizadora.
Ler Artigo “Contigo, há Descoberta”, um programa de turismo inclusivo
Maria José Dinis, a mãe
Natural da Cabreira, aldeia de Almeida onde nasceu há 69 anos, Maria José aprendeu a ser pedagoga e socioterapeuta por causa do Marco, um filho que lhe nasceu deficiente. Maria José apresenta-se como mãe de Marco e é, também, mãe da ASTA, a associação sócio terapêutica com 44 companheiros e 42 colaboradores que ajudam a povoar e a dar sentido a esta pequena aldeia do Interior. Uma aldeia que tem magia.
Guilherme Anjos, o guia turístico
Nasceu numa aldeia de Figueira de Castelo Rodrigo, mas passou a infância e a juventude numa casa de acolhimento para jovens em risco, perto do Porto. Antes de chegar aos 18 anos, foi ele quem pesquisou na Net e procurou o seu destino. Encontrou a ASTA e desde há três anos é um dos companheiros que vive na Casa da Oliveira, bem no centro da pequena aldeia de Cabreira do Côa. É, entre muitas outras coisas, um apaixonado guia turístico.
Luís Fonseca, o braço direito
Foi quando uma amiga de infância lhe pediu contactos que ele entregou toda a sua ajuda. Ajudou-a a montar a associação, e desempenhou nela muitos papéis. Foi voluntário, depois funcionário, foi pai de casa e agora é responsável pela parte agrícola do projeto ASTA. É presidente da Junta.
Milene Sieiro, a miúda forte e valente
Tem energia inesgotável, um eterno ar de menina traquina, um sorriso contagiante. Milene Sieiro tem 30 anos mas sente-se com 19. Não é residente da aldeia, mas é uma das companheiras que vem para a ASTA todos dos dias, há já 9 anos. É, também, uma das guias turísticas habilitadas para acompanhar visitantes no programa “Contigo, há Descoberta”.
Joaquim Caramelo, o vizinho da Cabreira
Nos 87 anos que leva de vida, Joaquim Caramelo só conseguiu viver 9 anos fora da Cabreira, emigrado em França. Não gostou muito de lá estar. Mas ainda gosta de morar na aldeia que o viu nascer. Teve 15 irmãos, casou com uma vizinha da aldeia, tem dois filhos e uma boa dose de humor. É um contador de histórias, que mete conversa com todos os que passam na rua.