Nasceu numa aldeia de Figueira de Castelo Rodrigo, mas passou a infância e a juventude numa casa de acolhimento para jovens em risco, perto do Porto. Antes de chegar aos 18 anos, foi ele quem pesquisou na Net e procurou o seu destino. Encontrou a ASTA e desde há três anos é um dos companheiros que vive na Casa da Oliveira, bem no centro da pequena aldeia de Cabreira do Côa. É, entre muitas outras coisas, um apaixonado guia turístico. Eis o seu testemunho.
“Encontrei uma comunidade diferente do habitual”
Chamo-me Guilherme Manuel Santos Anjos e tenho 22 anos. Sou natural do concelho de Almeida, mas vivi até aos 18 anos no Lar Marista de Ermesinde, uma Casa de Acolhimento para crianças e jovens com multideficiências, como eu, em risco. Foi em Ermesinde que andei na escola secundária, onde concluí o 12º ano. Cheguei à ASTA em 2021. Foi depois de ter andado a fazer umas pesquisas na Net que conheci esta instituição, a história do Marco e da Maria José, e mandei um email aqui para a ASTA a perguntar se tinham vagas. E automaticamente me responderam que sim.
O que é que eu procurava quando encontrei a ASTA? Procurava uma segunda família para mim. Procurava amigos, novos amigos, novas pessoas. Encontrei uma comunidade diferente do habitual. Para mim, as pessoas são todas especiais.
Quando cheguei à ASTA fiquei a viver na casa de Fonte Salgueiro. Mas, entretanto, um companheiro que vivia na Cabreira lesionou-se e fizemos uma troca. Eu gostei muito de estar cá em baixo, na aldeia, e ele também gostou de estar lá em cima, na instituição. E hoje em dia ficamos felizes assim.
Vivo aqui na Casa da Oliveira, um núcleo familiar da ASTA. Não podemos dizer que é uma casa autónoma, é uma casa semi-autónoma, temos um pai de casa que toma conta de nós. Somos cinco companheiros: eu, o Sérgio, o David, o Nuno e o António Bordalo. O pai de casa é o Jean.
De vez em quando, criamos conflitos uns com os outros – às vezes, não sempre! Mas nós, como companheiros, conseguimos resolver a situação. Outras vezes, há um colaborador que quer intervir, quase sempre o pai de casa, e tudo bem. Mas a maior parte das vezes nós conseguimos resolver os nossos próprios conflitos.
Nesta casa temos as rotinas normais. Temos de lavar a louça, de pôr a mesa, de pôr a roupa a lavar, temos várias atividades no nosso dia a dia. Começamos de manhã, acordamos, fazemos a abertura normal. Depois, fazemos o pequeno almoço e lavamos a louça. E, a partir das nove, apanhamos o chamado autocarro e vamos para a comunidade, para a ASTA.
Cada um de nós tem atividades diferentes. Eu costumo estar na tecelagem, à segunda, o dia todo. Na terça, estou no “Contigo, há Descoberta” de manhã, e à tarde estou na tecelagem; às quartas de manhã estou na cozinha, à tarde na expressão corporal; à quinta estou o dia todo na cozinha; e a sexta-feira é dia de limpeza e também é quando faço a minha fisioterapia.
Eu gosto muito de ser guia turístico, de fazer parte do Contigo, há Descoberta. Gosto de fazer a visita à aldeia histórica, e de fazer o percurso do trilho da Cabreira, o da menina pastora. Tenho algumas dificuldades a andar, mas há sempre quem me ajude. Eu vou fazer a caminhada logo pela manhã, é o que mais me custa. Mas é importante fazê-lo. E sabe bem.
Eu encontrei tudo o que procurava aqui na ASTA. Porque o que eu procuro é apenas ser feliz. E já posso dizer que o sou, aqui nesta instituição. E espero que assim continue.
Fiquei muito contente quando me disseram que me queria entrevistar. Por isso, ontem à noite estive a escrever duas cartinhas. Uma para a Maria José e outra para vocês. Posso lê-las.
Então, eu escrevi assim.
“Para Maria José Dinis da Fonseca, o nome da Associação Socioterapêutica de Almeida, e o meu carinho muito, mas muito especial para a Maria José Dinis da Fonseca, 2024-2025.
Olá, Maria José Dinis da Fonseca, eu, Guilherme Manuel Santos Anjos, estive a pensar que tenho uma família que quer o meu bem e o bem dos outros. Eu tenho uma limitação, mas vou ser um jovem adulto. Tenho as minhas dificuldades e é por isso que vos tenho no meu coração, a todos vocês. Porque se não fossem vocês a ajudar, eu não conseguiria vencer os meus obstáculos.
E graças à querida e amiga fundadora da nossa fantástica e fabulosa comunidade e graças ao seu filho Marco Dinis é que eu gosto muito de vocês no meu coração. (Ai que escrevi muito, é quase um testamento!).
Estas palavras não são inventadas. De qualquer forma eu estou a escrever o que sinto realmente ao pessoal mais corajoso e à malta da ASTA. Sem a ASTA e o nosso querido e fabuloso amigo Marco, o filho da Maria José, nós companheiros não estávamos aqui. Eu gosto de vocês todos, desejo-vos uma boa semana a todos. E graças a vocês que me deram uma ajuda preciosa, graças a todos que contribuíram com as vossas forças, meus grandes amigos, sou-vos muito grato por isso.“
E agora tenho aqui outra carta para vocês, que escrevi ontem à noite, depois de vocês terem estado cá em casa, a ver-nos fazer o fecho do dia. A verdade é que eu fui para a minha cama, mas fiquei a fazer serão.
“Olá, boa noite, meus caros amigos jornalistas.
Foi um grande e enorme prazer em vos conhecer. Fizeram um excelente trabalho com o grupo do ‘Contigo, há Descoberta’. E fico muito grato pela vossa interajuda e também obrigado por depositarem a vossa simplicidade connosco. Voltem com o coração aberto, estamos cá para vos receber com o coração cheio de alegria e de compaixão. Deixem também dizer-me que vos transmitimos a nossa boa disposição com o nosso calor humano. Em nome de toda a família da Casa da Oliveira – ASTA.”
Obrigado.
Mais sobre Cabreira
Cabreira do Côa, a aldeia dos companheiros
Conta-se que, desde há muito tempo, num pequeno vale abrigado por grandes pedras arredondadas, na raia com Espanha e a oeste de um rio que corre para norte e se chama Côa, vivia uma pequena comunidade de gente corajosa, simples e afável. Desde há 25 anos que a aldeia da Cabreira, no concelho de Almeida é também a morada da ASTA, uma associação sócio terapêutica dedicada à deficiência mental, que não tem utentes nem clientes. Tem companheiros e é um caso sério de compromisso com a integração social.
“Contigo, há Descoberta”, um programa de turismo inclusivo
Iniciativa de turismo social, inclusivo e de natureza é dinamizada pela ASTA – Associação Sócio Terapêutica de Almeida, e tem uma oferta estruturada de um, dois dias ou uma semana direcionada para adultos e crianças, empresas e famílias, todos os que procurem uma experiência turística humanizada e humanizadora.
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Maria José Dinis, a mãe
Natural da Cabreira, aldeia de Almeida onde nasceu há 69 anos, Maria José aprendeu a ser pedagoga e socioterapeuta por causa do Marco, um filho que lhe nasceu deficiente. Maria José apresenta-se como mãe de Marco e é, também, mãe da ASTA, a associação sócio terapêutica com 44 companheiros e 42 colaboradores que ajudam a povoar e a dar sentido a esta pequena aldeia do Interior. Uma aldeia que tem magia.
Anémone Leton, a viajante que encontrou a paz
Nasceu na Bélgica, viajou pelo mundo, é profissional de turismo. Aos 34 anos diz ter a sorte, e o privilégio, de ter encontrado no projeto da ASTA um sentido para a vida e um espaço onde quer montar um ninho familiar, e continuar a aprender. É coordenadora do projeto “Contigo, há Descoberta!”, uma iniciativa de turismo social, inclusivo e de natureza. Agora só está preocupada em continuar a aprender, vai tirar o curso de Socioterapia e Pedagogia Curativa para poder partilhar com os companheiros muitas descobertas.
Luís Fonseca, o braço direito
Foi quando uma amiga de infância lhe pediu contactos que ele entregou toda a sua ajuda. Ajudou-a a montar a associação, e desempenhou nela muitos papéis. Foi voluntário, depois funcionário, foi pai de casa e agora é responsável pela parte agrícola do projeto ASTA. É presidente da Junta.
Milene Sieiro, a miúda forte e valente
Tem energia inesgotável, um eterno ar de menina traquina, um sorriso contagiante. Milene Sieiro tem 30 anos mas sente-se com 19. Não é residente da aldeia, mas é uma das companheiras que vem para a ASTA todos dos dias, há já 9 anos. É, também, uma das guias turísticas habilitadas para acompanhar visitantes no programa “Contigo, há Descoberta”.
Joaquim Caramelo, o vizinho da Cabreira
Nos 87 anos que leva de vida, Joaquim Caramelo só conseguiu viver 9 anos fora da Cabreira, emigrado em França. Não gostou muito de lá estar. Mas ainda gosta de morar na aldeia que o viu nascer. Teve 15 irmãos, casou com uma vizinha da aldeia, tem dois filhos e uma boa dose de humor. É um contador de histórias, que mete conversa com todos os que passam na rua.