Ana Cristina Moreira é diseur, contadora de histórias, artista de teatro de rua. Nasceu e vive em Favaios e o que mais gosta na sua aldeia é da qualidade de vida e do bairrismo. E diz que mesmo havendo dificuldades ao nível cultural, há oportunidades que aparecem. Eis o seu testemunho.
“As pessoas em Favaios adoram teatro. Desde sempre foram habituadas a ver teatro.”
Chamo-me Ana Cristina Moreira, nasci em Favaios há 49 anos. O meu pai e a minha mãe são de Favaios, e o meu marido também. Saí daqui com 18 anos, e fui para Vila Real, estudar e trabalhar. Ainda lá vivi 15 anos, trabalhei em muitos sítios, inclusive numa academia de música. Entretanto casei, e em 1995 eu e o meu marido regressámos a Favaios, já trazíamos um filho nos braços, o Samuel, que agora tem 31 anos. Regressámos porque o meu marido, que é educador de infância, arranjou um emprego em Alijó – e decidimos voltar.
Eu trabalho há 22 anos na Câmara de Alijó, mas quando regressei a Favaios ainda estive a trabalhar na Adega Cooperativa. Eu sou assistente técnica e, quando fui trabalhar para a Câmara, estive quase 15 anos no departamento de obras municipais. Mas depois o vereador da cultura convidou-me para ir trabalhar na biblioteca, onde sou contadora de histórias.
Gosto muito de viver em Favaios. Aqui há muita qualidade de vida, respira-se tranquilidade, as pessoas são cúmplices, dão-se bem.
Ana Cristina Moreira
Em 2004 o meu marido foi fazer uma Licenciatura em Teatro e Artes Performativas em Vila Real. E, como forma de consolidar o conhecimento que adquiriu, convidou amigos de outros teatros e de outros tempos, para vir fazer trabalhos aqui em Favaios.
Foi assim que em 2006 nasceu a OFITEFA – Oficina de Teatro de Favaios, de que somos ambos fundadores. O teatro tem uma história muito antiga em Favaios; depois do 25 de Abril existiram aqui muitos grupos.
Estivemos muitos anos no OFITEFA. Éramos amadores, porque todos tínhamos os nossos trabalhos, mas fazíamos coisas mesmo interessantes e com cariz profissional. O meu marido era o diretor/encenador e já tinha alguma formação. Mas sempre que fazíamos uma peça convidávamos alguém profissional para nos acompanhar, tínhamos sempre várias visões. Fizemos muitas peças e espetáculos, tivemos o INATEL a apoiar-nos sempre, fizemos um percurso magnífico.
As pessoas em Favaios adoram teatro. Desde sempre foram habituadas a ver teatro. Ainda hoje, apesar das condições em que este edifício está, acredito que se abrir, as pessoas enchem-no… é fantástico.
Entretanto, como queríamos evoluir mais como atores e como tivemos algumas resistências, acabámos por sair. O OFITEFA tem agora outra direção e eu e o meu marido fundámos o Alecrim Teatro, em 2012. Continuámos com o nosso trabalho, e com o objetivo de recolher histórias das pessoas que aqui vivem.
O Alecrim faz sobretudo teatro de rua, mas já fizemos D. Quixote e a peça de Dario Fo “Não se paga! Não se paga!”. Mas a nossa principal fonte de histórias é o romanceiro tradicional e as histórias da nossa região. Fazemos jantares temáticos, animações culturais, trabalhamos nas quintas. Trabalhamos muito com a Enoteca de Favaios, sobretudo quando há grupos nacionais. Com estrangeiros é mais difícil, quando usamos termos nossos como o chibinho [cabrito pequeno] ou o fachôco [archote para alumiar o caminho], que não têm tradução possível.
Procuramos que as pessoas que vêm visitar Favaios levem um pouco da gastronomia e da nossa paisagem, mas levem também um pouco do nosso património imaterial. Nesses espetáculos também digo muita poesia, eu sou diseur, recito António Pires Cabral, Miguel Torga, João Araújo Correia. Abordamos o jogo do engate e da sedução, como era feito. Às vezes usamos termos ariscos, brejeiros. Mas entre os pratos que vão sendo servidos vamos contando histórias de uma forma crescente, até chegarmos à história das sopas de cavalo cansado. É um gozo muito grande para nós vermos as pessoas a rirem tanto.
Além do Alecrim teatro, tenho vários projetos na Biblioteca de Alijó, onde faço animação, e também trabalho na Universidade Sénior onde dou aulas de expressão dramática.
Gosto muito de viver em Favaios. Aqui há muita qualidade de vida, respira-se tranquilidade, as pessoas são cúmplices, dão-se bem. Eu estou a cinco minutos do meu trabalho. O meu marido também. À hora de almoço consegue vir a casa repousar um pouco. Estamos perto de tudo.
Procuramos que as pessoas que vêm visitar Favaios levem um pouco do nosso património imaterial.
Ana Cristina Moreira
As pessoas aqui são bairristas e eu gosto disso. Os de Favaios gostam muito da sua terra. Eu também já fui presidente da Junta de Freguesia [entre 2013 e 2017], por causa do amor a esta terra. Acho que Favaios tem muito potencial. Tem estado estagnada, mas acho que está a dar o salto. Há muitos projetos que estão a vir, em termos de alojamento. Essa era uma grande lacuna, e que finalmente vai ser colmatada e vai trazer mais postos de trabalho.
Eu tenho dois filhos e uma neta. O Samuel nasceu em Vila Real, tem 31 anos e está a viver na Lituânia. Tirou, no Instituto Politécnico de Bragança, o curso de professor de música via ensino. Conheceu a Audrone, que estava em Bragança a fazer Erasmus. E tenho o Francisco, com 23 anos, licenciado em Antropologia Forense. Continuou por Lisboa, está a trabalhar, mas ainda não na área dele.
Mas deixa-me triste ver os jovens irem embora, porque aqui não encontram o que fazer. Há empregos na câmara, na adega, no turismo. Para quem tem formação em enologia e em turismo vai dando, mas não chega para todos. Os jovens emigram e depois não voltam.
Em Favaios ainda há uma lacuna muito grande a nível cultural, sobretudo sítios onde apresentar espetáculos. Mas a verdade é que mesmo nós estando aqui em Trás-os-Montes vamos tendo oportunidades. Uma das últimas peças que fizemos antes da pandemia teve a assinatura do Laurent Filipe, que nos veio buscar ao planalto e nos atribuiu a peça “Tandem, os pica-miolos”. Foi uma experiência extraordinária. Estreámos a peça em Alijó, e depois fomos apresentá-la no Festival Internacional de Artes Performativas, no Porto. Tenho muitas saudades de estar em palco.
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