Nasceu em Moçambique, chegou adolescente a Favaios. Na juventude, sempre preferia as festas nas aldeias aos convites para Interrail. Está nos órgãos sociais da Adega Cooperativa de Favaios há mais de 30 anos. Diz que o que mais gosta na aldeia onde nasceram os pais é da união das pessoas. Eis o seu testemunho.
“Temos de trabalhar sempre para continuar a crescer”
Chamo-me Mário João Leal Monteiro, nasci em Quelimane, Moçambique. O meu pai e a minha mãe eram os dois de Favaios, foram para lá trabalhar e viver. Eu e o meu irmão nascemos lá. Mas em 1974 – tanto eu como muitos! – viemos todos embora. Regressámos a Favaios quando eu tinha 16 anos. No início custou um pouco, mas habituei-me rapidamente.
Depois fui estudar na Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, e nunca mais voltei. Mas vinha cá passar todos os verões. Eu lembro-me que os meus colegas me falavam de ir fazer um Interrail pela Europa fora, mas eu estava sempre mortinho para vir passar o verão a Favaios. O que mais gostava eram as festas aqui à volta. Desde o mês de junho até setembro, todas as aldeias tinham festas.
Começavam à quinta ou sexta, íamos sempre beber uns copos, comer, ver os bailaricos. No primeiro domingo de agosto era aqui em Favaios; no segundo domingo era em Sanfins do Douro; no terceiro era Alijó. Depois era Pegarinhos, depois São Mamede de Ribatua, e antes, em julho, já tinha sido em Vilar de Maçada e em Cabeda. Nós batíamos as festas todas. Havia aqui o dono de um café que tinha uma carrinha de caixa aberta e ia para a festa também. Aquela carrinha era a garantia de que tínhamos transporte para vir embora, era o carro vassoura… e eu preferia isso ao Interrail.
Entretanto acabei o curso, casei, e fui para Mirandela. Comecei a trabalhar na Portugal Telecom em 1990 e estive lá 39 anos. Fui para a pré-reforma em 2019. Mas comecei a participar ativamente na vida da Adega Cooperativa de Favaios muito antes disso.
Já não me lembro quando entrei para Presidente da Assembleia Geral, talvez em 1996 ou 1997. Mas lembro-me que foi em 2002 que o presidente na altura, Serafim de Carvalho, me convidou para fazer parte da direção com ele. Ele que era aqui de Favaios, era conhecido como Dr. Manecas, era médico no Hospital de Santo António no Porto, vinha à sexta-feira e regressava ao Porto ao domingo. Em 2006 ele faleceu e fiquei eu.
Estou na presidência da adega até hoje, e nunca pensei atravessar tantas crises. Começou logo com a do subprime, desde 2008 até 2014. Foi terrível. Quando estava a começar a levantar a cabeça, zás, vem uma pandemia. Felizmente, temos passado bem. Em 2021 não vendemos tanto vinho, mas cortámos nos custos. Estivemos parados em janeiro e fevereiro, mas em março começámos a recuperar. É como quando sofremos golo no primeiro minuto, temos 89 para recuperar. E o ano acabou a correr-nos muito bem.
A adega é uma instituição importantíssima, é a alma desta aldeia e de algumas à volta. São sócios agricultores de Favaios, Sanfins, Alijó, Castedo… e não são mais porque não temos capacidade para vinificar mais uvas. Só podemos crescer na entrada de uvas se conseguirmos crescer nas vendas, não podemos estar a armazenar vinhos sem conseguir vender.
O moscatel é o nosso produto estrela, é o ex-líbris. Vendemos 35 milhões de garrafas no ano passado. Todos os dias sai um camião TIR daqui da adega. O nosso aperitivo de Favaios, o Favaíto, foi assim batizado por um cliente, quando ligava para cá a fazer a encomenda. Dizia que queria o pequenito, o “favaíto”. E assim ficou. Também há muitas coisas do acaso nas histórias de sucesso.
Mas os nossos agricultores não têm só Favaios. Os nossos associados têm 1.200 hectares de vinha, quase todos no planalto. Entre 60% a 65% das uvas são moscatel. Mas depois há todas as outras, tintas, brancas e para vinho do porto. Quando aceitamos um sócio, ele pode vir só com o moscatel ou só com branco, tinto e vinho do porto e nós temos de ter hipótese de escoar as uvas, vendendo-as. Tem de ser esse o negócio.
Nós somos uma das adegas mais sólidas do país porque, em primeiro lugar, temos um vinho ímpar – e isso é que faz com que haja sucesso em vendas. Temos um produto ímpar e conseguimos implementá-lo no mercado nacional. O Favaíto está em todo o lado, temos uma penetração no mercado nacional acima dos 90%. Temos uma quota de 12% de exportação, sobretudo para o mercado da saudade. Numa grande parte dos países não se conhece o moscatel, mas temos uma equipa a trabalhar nisso.
Depois, há que saber gerir estas vendas. Não posso gastar mais do que vendo. E depois, desde 2000, apetrechámo-nos. Os nosso quadros são pessoas licenciadas que estudaram para o local que ocupam, são todos profissionais, vêm cá a tempo inteiro. Só temos um consultor, para o espumante, mas de resto são quadros dedicados à adega. Uns dizem-se bem pagos outros nem por isso, mas procuramos ter as pessoas satisfeitas.
Outra razão do sucesso desta cooperativa é que, desde que foi fundada, em 1952, teve apenas quatro ou cinco diretores, eu incluído. Isso dá uma estabilidade muito grande. Como nós premiamos bem o valor da uva, sobretudo a moscatel, os produtores tratam bem das propriedades. E, por fim, outro aspeto muito importante é a união dos Favaienses. Os agricultores não se dispersam. Nós não ficamos sem uvas, nem temos concorrência. E nós, em contrapartida, procuramos responder a todos os problemas.
Em 2014 houve aqui um problema muito grande, porque saiu uma lei que definia que a produção máxima por hectare no Douro era 10 pipas de tinto ou 12 pipas de branco. Mas quem tinha um hectare a produzir 20 pipas, e não podia fazer moscatel, a partir das 12 ficava com muitas uvas a sobrar. Demorámos seis ou sete anos a conseguir fazer vinho branco com moscatel. E um vinho fabuloso.
Desde 2019, ano em que entrei na pré-reforma, comecei a vir para Favaios todos os dias. Não me custa nada fazer a viagem, são 50 quilómetros para cada lado, mas nem dou por eles. Continuo a viver em Mirandela, mas vou e venho todos os dias. O que mais gosto de fazer quando cá estou é ir às propriedades e andar aqui a falar com as pessoas e com os trabalhadores. Nós somos um dos principais empregadores do concelho, com mais de 40 trabalhadores. E há 450 famílias que dependem da adega. É muita responsabilidade.
Mas já temos desafios novos. Queremos aumentar a capacidade de receção de uvas, e com isso aumentar o volume de negócios. Vamos, aos poucos, fazer mais umas cubas de fermentação. Temos produtores em lista de espera. E com os novos mercados estamos a crescer em vendas. Se continuarmos assim, dentro de três ou quatro anos o que temos será pouco. Uma empresa não pode parar. Ditar-lhe um limite é a morte da empresa. O crescimento não é infinito, será controlado. Mas temos de trabalhar sempre para continuar a crescer.
Mais sobre Favaios
Favaios, o planalto do pão e do vinho
Com pouco menos de mil habitantes, Favaios é bem conhecida pelo seu Moscatel e pelo seu pão de trigo de quatro cantos. A aldeia conserva a sua traça original e os habitantes são genuinamente inconformados, bairristas, generosos e, sobretudo, unidos.
O que fazer em Favaios (guia prático)
Guia com tudo o que precisa saber para visitar Favaios, no concelho de Alijó. Inclui o que fazer na aldeia de Favaios e arredores – atividades, trilhos e passeios -, onde ficar hospedado, gastronomia e contactos úteis.
Manuela Barriguda, a padeira
Manuela Barriguda tem 72 anos e foi padeira toda a vida. Em terra e em família de padeiros, Manuela orgulha-se de saber fazer «o melhor pão do mundo». Aprendeu o oficio com a mãe e está a passá-lo à filha. É das poucas que sabe a arte de tender o pão dos quatro cantos e acredita que a tradição se vai manter.
Miguel Ferreira, o viticultor
Miguel Ferreira nasceu em Penafiel há 44 anos e não tinha qualquer ligação às vinhas. Tirou o curso de Enologia em Vila Real, onde conheceu a atual esposa, Berta Resende. Os dois estão agora à frente de um projeto inovador em Favaios, onde experimentam novas práticas de viticultura.
Ana Cristina Moreira, a contadora de histórias
Ana Cristina Moreira é diseur, contadora de histórias, artista de teatro de rua. Nasceu e vive em Favaios e o que mais gosta na sua aldeia é da qualidade de vida e do bairrismo. E diz que mesmo havendo dificuldades ao nível cultural, há oportunidades que aparecem.
Luís Barros, o persistente
Quando andava na Universidade de Aveiro, Luís Barros era conhecido como “o Favaios”. Hoje, é o mentor da primeira enoteca interativa da Península Ibérica e o responsável pela vaga de turistas que todos os anos rumam à aldeia vinhateira de Favaios. A Quinta da Avessada recebeu 80 mil visitantes em 2019; o próximo projeto é criar pequenos hotéis na aldeia.