Com pouco menos de mil habitantes, Favaios é bem conhecida pelo seu Moscatel e pelo seu pão de trigo de quatro cantos. A aldeia conserva a sua traça original e os habitantes são genuinamente inconformados, bairristas, generosos e, sobretudo, unidos.
Não costuma haver horas de ponta numa aldeia – e essa é uma das vantagens de viver no mundo rural. Mas, em Favaios, no concelho de Alijó, todas as manhãs há uma concentração de carrinhas no coração da vila, “lá pelas 5h30, até de inverno”. É por essa hora que se ouvem as carrinhas estacionadas ao longo da Rua Direita, com os motores ligados – “para aquecer” – defronte do Nosso Café e do Café Moderno. Lá dentro, motoristas e ocupantes também aquecem a garganta e o espírito com um café traçado. É o início de mais um dia de trabalho no Douro Vinhateiro.
“Estão a preparar-se para o trabalho na vinha. Há trabalho o ano todo”, diz Luís Barros, autor do relato e morador em Favaios há 41 anos. Ele mora na mesmíssima Rua Direita, uma das artérias mais emblemáticas da vila e cujo património arquitetónico mereceu a classificação de Conjunto de Interesse Público por parte da Direção Geral do Património Cultural em 2010. Luís Barros é patrão de alguns desses trabalhadores que enchem as carrinhas antes de rumarem às vinhas – alguns vindos do concelho, outros de bem mais longe.
A família Barros tem cerca de 25 hectares entre os quase mil plantados com vinha no chamado Planalto de Favaios. O trabalho rural, o trabalho à volta da vinha e das uvas é o ganha-pão da maioria das 400 famílias que vivem nesta Aldeia Vinhateira, famosa pelo seu moscatel. Mas, antes de ser uma marca, Favaios é nome de terra cujos habitantes se mostram orgulhosos da sua história e tradições – que quase sempre andam à volta do vinho e do pão.
Às 5h30 da manhã também Maria Assunção Fernandes está a sair de casa, igualmente na Rua Direita, e a encaminhar-se para a padaria. Vai juntar a água morna, a farinha e o sal, isto é, fazer a massa para o trigo de Favaios que depois coloca numa masseira a levedar. Aprendeu a técnica – e as quantidades – com a mãe. A mãe aprendeu com a avó. E assim sucessivamente. São, como todos a conhecem em Favaios, é a filha mais nova de Manuela Barriguda, e agora quer dar algum descanso à mãe. Só a vai buscar a casa depois das sete e meia da manhã, já depois de ter colocado a massa na amassadeira e a ter posto a levedar para ficar pronta para tender. Tender é a arte de dar forma ao pão; e no caso do pão de Favaios, é preciso dar algumas voltas à massa até que adquira os quatro cantos que o caracteriza.
Manuela Barriguda fá-lo de olhos fechados, tantos trigos ganharam forma sob as suas mãos. Mas, depois de décadas a passar as madrugadas na padaria e muitas noites sem ir à cama, dá-se a si mesma o privilégio de dormir uma noite inteira. “Se eu agora trabalho muito, então antes é que trabalhava…”, admite. Manuela tem 72 anos e é padeira desde os 7. Lembra-se bem do tempo em que passava horas e horas a peneirar (agora as farinhas já lhe chegam às mãos “extrafinas, peneiradas”); de quando ia miúda com os trigos à cabeça, num cesto, a tentar iludir a guarda que lhe cobraria impostos ora por vender fora do balcão, ora por andar descalça, sem socos nos pés – “Ia pela rua, vender o trigo ali acima de Alijó… veio um guarda e multou-me! 80 coroas!”.
Manuela Barriguda está à frente de uma das últimas e mais genuínas padarias de Favaios, daquelas por onde o tempo mal passou. O número 15 da Rua Capelão Morais está sobre uma porta verde numa casa de “cantaria” que mal é atravessada nos faz recuar no tempo.
Não há qualquer cedência à modernidade, mesmo que tenham passado décadas desde que abriu. Os balcões de madeira, num amarelo pálido, estão praticamente despidos, para que neles possa brilhar o único produto colocado à venda: o pão que Manuela tendeu. No máximo, vislumbra-se uma embalagem de manteiga, a que Barriguda recorre para acalmar a gula dos que salivam por um pão acabado de cozer. E a que ela não resiste também, muitas vezes. “Sou muito gulosa, sabe? Adoro pão e adoro bolos. Mas eu só faço pão! Ou bolas de carne, que as nossas, em Favaios, também são muito boas. As melhores!”
Barriguda não é atributo, é mesmo o apelido do pai que Manuela se orgulha de envergar. Tanto quanto se orgulha de continuar o ofício da mãe e da avó, tanto quanto se orgulha de ter nascido e viver numa terra como Favaios. Terra de pão. E de vinho.
O orgulho e o bairrismo das gentes de Favaios são, talvez, duas das principais características dos favaienses. Para eles há o Pão de Favaios e o Moscatel de Favaios – e depois há todas as outras coisas: “Podem ser melhores ou piores, mas nenhum é como o nosso”.
Curioso é que todos dizem o mesmo. Pessoas como Mário Monteiro, presidente da Adega Cooperativa de Favaios, e Manuela Barriguda, padeira há mais de 60 anos – ambos representantes dos produtos emblemáticos de Favaios. Mas também cidadãos menos conhecidos, como Miguel Gouveia, funcionário da Junta de Freguesia, que trocou a Suíça para onde tinha emigrado pela aldeia onde nasceu. “Aqui estou mais tranquilo, há qualidade de vida. E sempre estou na minha terra”.
Miguel está no meio do jardim do Largo Teixeira Sousa, defronte da antiga escola primária mandada construir no tempo de Salazar – e que agora é sede dos escuteiros, posto de correios e edifício da Junta de Freguesia -, a limpar o jardim dos últimos vestígios natalícios. Todas as coletividades participam num concurso de presépios. O Natal já foi, está na altura de arrumar tudo, incluindo o menino Jesus vestido de Favaíto – a garrafa em versão reduzida do Moscatel de Favaios e produto estrela da aldeia.
A união faz a força
Inserida em pleno Douro Vinhateiro, uma das mais antigas regiões demarcadas do mundo, a produção do Moscatel de Favaios surgiu na altura em que a região recuperava da crise da filoxera. Acredita-se que os galegos que vieram reconstruir o Douro, ajudando na construção dos patamares, trouxeram com eles a casta conhecida como Galega Branca, que iria encontrar no planalto transmontano as condições adequadas para a sua produção.
O processo de vinificação do moscatel é igual ao do Vinho do Porto, misturando aguardente na altura da fermentação. E, quando o moscatel saiu da clandestinidade, foi uma oportunidade para muitas famílias melhorarem o seu nível de vida, apesar da prosperidade dos habitantes do planalto de Favaios poder até ser anterior a isso. O pão de Favaios é feito de trigo, um cereal mais difícil de plantar e colher do que o centeio, o chamado pão dos pobres.
Em Favaios, desde sempre que a tradição é fazer pão de trigo. Em 1645, já havia registo de 22 padarias na aldeia; hoje em dia, apesar da diminuição do número de moradores, Favaios tem ainda oito padarias em funcionamento, de onde saem todos os dias milhares de pães a fumegar.
“Aqui sempre houve muitas padarias. Havia quase um forno comunitário em cada rua”, conta Manuela Barriguda, acrescentando que quando alguém tentou fechar as padarias de Favaios, por razões sanitárias – ou seriam políticas? -, os sinos tocaram a rebate. A população não deixou. Tal como não deixou que uma decisão tomada pela Casa do Douro para proibir a utilização de aguardente acima dos 500 metros de altitude os impedisse de continuar a produzir o seu moscatel. As famílias que não faliram – como a de Luís Barros – uniram-se e criaram a Adega Cooperativa de Favaios. Ainda hoje, quase meia centena de associados continua a produzir as suas uvas para entregar na adega.
“A união faz a força”, explica Mário Monteiro. A profissionalização da gestão da adega fez o resto. A Adega Cooperativa de Favaios é, hoje em dia, um dos principais empregadores não só da freguesia de Favaios, mas também de todo o concelho de Alijó.
A alegria de viver numa aldeia como Favaios
José Pinto de Castro é pároco em Favaios há 30 anos. Nasceu numa terra não muito longe, em São Cristóvão do Douro, concelho de Pinhão, e está habituado às vidas e lidas das vinhas e do vinho. Quase a fazer 80 anos de idade – “Deus seja louvado”, acrescenta – o Padre Pinto enverga um sorriso quando pede para entoar “o que se canta para aí sobre o Moscatel de Favaios”: “Vi um morto estendido, já pronto e vestido para se enterrar. Dei-lhe a cheirar moscatel, saltou do caixão, pôs-se a cantar”.
O Padre Pinto sorri muito, e diz mesmo que o melhor que encontra em Favaios, logo seguido da vivência cristã que vai continuando a encontrar entre a população, é a popularidade das festas e a alegria do povo. “A alegria de viver numa aldeia como esta”, especifica.
E dá como exemplo as festas da Páscoa e da Queima de Judas, que acontece no final da visita Pascal. A visita que até há dois anos o Padre Pinto cumpriu escrupulosamente, em todas as casas da paróquia – foi a pandemia que o impediu de continuar, não a idade. “Para anunciarem o fim da visita, vão para a Capela do Senhor Jesus do Outeiro, atam foguetes a um boneco, para o rebentar e queimar”, conta o Padre Pinto. O clérigo assume que sente falta dos tempos em que podia estar mais próximo dos seus paroquianos: “A pandemia veio trazer-nos desafios muito grandes, a nível pastoral e não só”.
A pandemia impediu muitas outras coletividades da aldeia de seguir com o seu trabalho. A OFITEFA – Oficina de Teatro de Favaios está à espera de melhores dias para retomar os ensaios que semanalmente os levavam às instalações do icónico edifício do Teatro de Favaios. José João Machado, atual diretor deste grupo de teatro amador, diz que já há ideias para as próximas peças, e que os membros já andam em casa a decorar textos. Mas ninguém se atreve a adivinhar quando um novo dia de estreia chegará.
A tradição teatral em Favaios é ainda mais antiga do que o edifício implantado em 1919, com o nome de um dos seus impulsionadores, António Augusto de Assunção. O edifício, com capacidade para 400 pessoas, foi construído com donativos da população – o que mostra a importância que os favaienses dão à expressão dramática e à cultura. Hoje em dia, o teatro está a precisar de profundas obras de reabilitação – mas não é isso que o faz ter as portas fechadas. É, ainda, e apenas, a pandemia, diz José João, que garante que vai continuar a tentar financiamento para se conseguir a recuperação do edifício.
“As pessoas estão habituadas a ver teatro. Os pais traziam os filhos, e acredito que ainda hoje, mesmo nas condições em que está, se o teatro abrisse as portas as pessoas iam enchê-lo”, diz Ana Cristina Moreira, fundadora do OFITEFA, mas que agora continua nas lides da expressão dramática com o grupo Alecrim, que criou com o marido, José Paróca.
Das dezenas de pessoas que já passaram, ou ainda estão pelo teatro, José Paróca é o único com alguma formação na área, mas todos eles se identificam como amadores. Têm os seus afazeres durante o dia (Paróca é educador de infância e Cristina trabalha na Biblioteca de Alijó, só José João está reformado da GNR), mas à noite aparecem – ou apareciam – para ensaiar. “As pessoas andam de enxada durante o dia, e à noite vêm ensaiar mesmo com o frio deste inverno. É preciso gostar”, explica o diretor.
Cristina Moreira confirma, antecipando que uma das razões do sucesso do teatro de Favaios se prende, também, com o facto de serem tratados temas que fazem parte do quotidiano e das memórias da região. O Grupo Alecrim, pelo menos, continua a fazê-lo, em peças construídas para teatro de rua ou para apresentar em jantares temáticos e animações culturais feitas nas quintas da região.
“Trabalhamos muito com a Enoteca de Favaios, sobretudo quando há grupos nacionais. Com estrangeiros é mais difícil, quando usamos termos nossos como o chibinho [cabrito pequeno] ou o fachôco [archote para alumiar o caminho], que não têm tradução possível. E procuramos que as pessoas que vêm visitar Favaios levem também, além da gastronomia e da nossa paisagem, um pouco do nosso património imaterial”, diz Cristina Moreira.
A ousadia de fazer diferente
E do património imaterial de Favaios faz parte, sem dúvida, o apego às tradições, o inconformismo que os leva a contornar regras inesperadas e, também, a ousadia de querer fazer diferente.
Confirmam-no as história das padarias – a tradição é tão antiga que ninguém se lembra ou sabe dizer porque é que o pão tem quatro cantos. Validam-no a história da adega e o sucesso nacional que é o Favaíto, o aperitivo de Moscatel que vende milhões de garrafas por ano. E atesta-o, também, a Quinta da Avessada que, com a sua Enoteca, recebeu 80 mil visitantes em 2019.
Luís Barros recorda que o chamaram maluco quando disse que queria trazer turistas ao Douro e construir um museu interativo, de forma a replicar, com recurso a um robot, as lagaradas que só acontecem nas vindimas. Hoje é, depois do Palácio de Mateus, em Vila Real, das entidades que recebe mais turistas em toda a região do Douro Vinhateiro.
“São os turistas que dão vida a esta aldeia”, sentencia Maria Teresa Souto, dona da única papelaria de Favaios. Os turistas que vão à Quinta da Avessada também visitam as padarias e o Museu do Pão e do Vinho, mesmo defronte à papelaria de Maria Teresa. “Eles não compram muita coisa, mas já aprendi umas palavras à conta deles. E já me ri também. Uma vez vieram-me pedir baterias. E eu respondi-lhes que aqui não havia nenhuma festa, nem estava cá um conjunto”, conta Maria Teresa, largando uma gargalhada.
Miguel Ferreira, enólogo na Adega de Favaios, não estava a pensar nos turistas quando, em conjunto com a mulher, Berta Resende, se propôs desafiar as tradições e começou a enrelvar entre os bardos, com trevos e leguminosas, ou a fazer podas de maneira diferente. O objetivo é “tentar fazer diferente para conseguir fazer melhor”, com mais respeito pela natureza.
“A primeira vez que me viram com uma tesoura começaram a dizer que eu ia matar a vinha, que isto não é trabalho para uma mulher”, recorda, entre sorrisos, Berta Resende, de tesoura nas mãos, agarrada a uma bateria elétrica que traz no bolso. Mas a desconfiança inicial transformou-se, mais do que em tolerância, em cumplicidade. Miguel está muitas vezes na adega – “nunca fiz uma vindima na minha vinha!”, admite -, pelo que os trabalhos diários nos seis hectares de vinha comprados pelo casal são executados por Berta e por Luís, o funcionário que trabalha com ela o ano inteiro. A cumplicidade entre ambos é visível na forma como fazem a poda: Berta à frente, a fazer a pré-poda, não precisa de dizer nada a Luís, que a vai terminar.
Agitar as águas, atirar uma pedrada ao charco foi o que também fez Celso Pereira, quando conseguiu trazer para a região demarcada do Douro o fabrico de um espumante, o Vértice, nas Caves Transmontanas. Na véspera de inaugurar um centro de visitas do Quanta Terra, a marca que criou com Jorge Alves, na antiga Destilaria número 7 da Casa do Douro, em plena aldeia de Favaios, Celso Pereira diz, entusiasmado, “que ainda está quase tudo por fazer”.
Porque o Vinho do Porto é famoso por ter originado a Região Demarcada mais antiga do mundo, mas esta região ainda é uma criança a dar os primeiros passos nos vinhos tranquilos, vinhos que só começaram a ser feitos há 30 anos. “É como se fossemos crianças à procura de identidade. Todos os anos damos um pequeno passo, no sentido de improvisarmos e tentarmos perceber aquilo que o Douro e o planalto nos podem dar. Esse é que é o aliciante desta região, permite sempre o desbravar de um novo desafio”, antecipa o enólogo. A tradição do Vinho do Porto e do moscatel hão-de ajudar descobridores como Celso Pereira a conquistar outros mercados. Por isso, Celso diz que Favaios é uma terra de futuro.
Favaios, terra de futuro
Atrás do balcão da papelaria, Maria Teresa tem algumas dúvidas. Afinal, os turistas não lhe compram grande coisa, o movimento que vai tendo na papelaria dá-lhe mais compromisso de horários do que sustento financeiro. “A minha sorte é que a casa é minha, vivo por cima e a loja é por baixo. Senão, teria dificuldades em pagar a renda”, adivinha, usando o exemplo do marido, barbeiro na aldeia vizinha, Sanfins do Douro. “Hoje em dia mal ganha para pagar os 200€ de renda que lhe pedem pela barbearia”, informa.
Apesar de manter o bom humor e as piadas debaixo da língua, e de dizer que as festas mais bonitas da região são as que se fazem em Favaios, não deixa de reparar que ali mesmo à sua porta há muitas outras que estão fechadas, por falta de gente. E ali, no Largo da Praça, onde está o edifício que já foi a sede do concelho, aponta para o prédio que foi a casa da professora que a ensinou a ler e a escrever. “Está fechado, e à venda, há anos!”, informa.
António Júlio, o atual proprietário, confirma que o prédio foi comprado em 2012, mas que ele e a família já desistiram de o tentar rentabilizar. “A pandemia assustou-nos. Os meus filhos, que estão emigrados na Suíça, já não querem avançar, também não sou eu com 70 anos, que vou fazê-lo”, explica.
As portas do imponente edifício do Largo da Praça ainda se abrem, de quando em vez, para António Júlio mostrar as peças em latoaria que lhe saíram das mãos. Um gosto e uma habilidade que herdou do pai e do avô, mas a que só se dedicou depois da troika ter travado a expansão da construção civil que tanto trabalho lhe deu como canalizador.
Agora, já reformado, foi a pandemia que o travou e o levou a entregar o cartão de artesão e suspender a produção de peças com a arte que herdou do pai e do avô. Continua a ter muito gosto em recuperar peças antigas, entusiasma-se por conseguir mostrar os vários utensílios que a lavoura e a viticultura exigiram em tempos. Mas a reforma também lhe trouxe a descoberta do gozo que lhe dá trabalhar a madeira. “Continuo a fazer umas peças numa oficina em minha casa, mas é só para estar entretido”, afirma.
O imponente edifício, de rés-do-chão e dois andares, de janelas em cantaria e varandas em ferro forjado, vai continuar à espera de comprador. “Espero que apareça alguém com poder económico para restaurar isto. Gostava muito de o ver restaurado, com um projeto bonito como o que sonhei fazer aqui”, termina António Júlio.
Já Luís Barros quer prolongar a estadia dos seus visitantes na aldeia e, para isso, tenciona criar vários pequenos hotéis, restaurando edifícios e criando pequenas unidades que homenageiem antigas tradições. Talvez chegue à latoaria. Mas, para já, e em negociações, tem um hotel onde fará homenagem às padeiras de Favaios – como Manuela Barriguda.
Alheia às homenagens, a filha de Manuela Barriguda está mais preocupada em garantir que os clientes continuam a receber o seu pão. De segunda a sábado, as tardes de Assunção são ocupadas a distribuir pão pelos favaienses. E quase que provoca uma nova hora de ponta no centro da aldeia. Quem tem pressa, vai à padaria quando quer. Quem pode esperar, tem o pão a chegar-lhe à porta, mais do que a tempo da merenda, e da ceia.
Não chega a haver fila, que as entregas são rápidas. Mas o movimento é grande. Maria Teresa e mais quatro moradores estão no Largo da Praça, à espera que chegue São com os seus sacos de trigo. “Esta rapariga é uma joia”, diz Maria Teresa, habituada que está não só a vender como a dar notícias na aldeia.
Manuela Barriguda, aliás, diz muitas vezes que a filha Assunção é a melhor coisa que há em Favaios. “Sou a melhor coisa, mas só depois do pão e do vinho”, acrescenta, animada, a filha.
A mãe espera durar ainda muitos anos, para a filha continuar a vender o pão. A filha também não quer que o pão acabe, mas já desistiu de aprender a tender. “Já tentei muitas vezes e não consigo. A minha avó, que também era padeira, também nunca conseguiu tender”, desdramatiza São.
Manuela Barriguda tem irmãs que sabem do ofício, e acredita que alguém consiga aprender. “Espero que isto não acabe”, insiste, consciente que a vida é feita de ciclos.
Enquanto Manuela puder, vai continuar a passar as manhãs a meter pães no forno. E, durante a tarde, São continuará a distribuir o trigo de sempre, amassado pelas mãos de sempre. Calejadas. Doridas. Mas abençoadas, garante Manuela: “Graças a Deus”. E na manhã seguinte, às 5h30, lá passará junto às carrinhas estacionadas na “hora de ponta” de Favaios.
Veja também o guia prático com o que fazer em Favaios.
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O que fazer em Favaios (guia prático)
Guia com tudo o que precisa saber para visitar Favaios, no concelho de Alijó. Inclui o que fazer na aldeia de Favaios e arredores – atividades, trilhos e passeios -, onde ficar hospedado, gastronomia e contactos úteis.
Manuela Barriguda, a padeira
Manuela Barriguda tem 72 anos e foi padeira toda a vida. Em terra e em família de padeiros, Manuela orgulha-se de saber fazer «o melhor pão do mundo». Aprendeu o oficio com a mãe e está a passá-lo à filha. É das poucas que sabe a arte de tender o pão dos quatro cantos e acredita que a tradição se vai manter.
Miguel Ferreira, o viticultor
Miguel Ferreira nasceu em Penafiel há 44 anos e não tinha qualquer ligação às vinhas. Tirou o curso de Enologia em Vila Real, onde conheceu a atual esposa, Berta Resende. Os dois estão agora à frente de um projeto inovador em Favaios, onde experimentam novas práticas de viticultura.
Ana Cristina Moreira, a contadora de histórias
Ana Cristina Moreira é diseur, contadora de histórias, artista de teatro de rua. Nasceu e vive em Favaios e o que mais gosta na sua aldeia é da qualidade de vida e do bairrismo. E diz que mesmo havendo dificuldades ao nível cultural, há oportunidades que aparecem.
Luís Barros, o persistente
Quando andava na Universidade de Aveiro, Luís Barros era conhecido como “o Favaios”. Hoje, é o mentor da primeira enoteca interativa da Península Ibérica e o responsável pela vaga de turistas que todos os anos rumam à aldeia vinhateira de Favaios. A Quinta da Avessada recebeu 80 mil visitantes em 2019; o próximo projeto é criar pequenos hotéis na aldeia.
Mário Monteiro, o presidente da adega
Nasceu em Moçambique, chegou adolescente a Favaios. Na juventude, sempre preferia as festas nas aldeias aos convites para Interrail. Está nos órgãos sociais da Adega Cooperativa de Favaios há mais de 30 anos. Diz que o que mais gosta na aldeia onde nasceram os pais é da união das pessoas.