Foi na Banda de Música de Sabrosa, onde entrou quando tinha apenas 9 anos, que descobriu o gosto pela música, o talento com o fagote e, por causa destes dois, a paixão do canto lírico. Nascida e criada em Provesende, Margarida Ribeiro, com 18 anos, esteve três anos a estudar no Conservatório de Música do Porto e agora está de malas aviadas para Castelo Branco, onde vai tirar uma licenciatura. Mas nunca perdeu a ligação à terra. Este verão integrou o pessoal dos Bombeiros Voluntários de Provesende – a instituição mais importante da aldeia. Eis o seu testemunho.
“Passei o meu verão entre a banda e os bombeiros, em vez de ir para a piscina”
Tenho 18 anos, nasci em Provesende, a aldeia que é, eu acredito, a aldeia mais bonita do nosso concelho. Sinceramente! Eu digo sempre que não vai haver, nunca há, nenhum lugar melhor do que a casa da mãe. E a aldeia é a minha casa maior. Mesmo que depois um dia vá trabalhar para fora, seja em Portugal ou lá fora, gostava sempre de voltar aqui. E, um dia, quando tiver filhos, que eles venham aqui.
Gosto de Provesende porque é um sítio muito calmo. Não me imaginaria a viver noutra aldeia, é aqui que tenho os meus amigos. Apesar de também ser um bocado difícil, porque nem toda a gente percebe o nosso caminho e, apesar de recebermos críticas, é normal porque é um meio muito pequenino e sabe-se logo tudo.
“A partir de uma aldeia, os jovens também podem sonhar.”
Margarida Ribeiro
O meu caminho tem passado muito por estar fora da aldeia. Desde a quarta classe que eu e a minha irmã vamos para Vila Real fazer atividades extracurriculares. Começámos no ballet e também quisemos aprender música. Entrei na Banda de Música de Sabrosa com 9 anos, e comecei a tocar clarinete.
Fui fazer provas de aptidão ao Conservatório de Música de Vila Real, onde os novos alunos vão fazer provas de reconhecimento dos instrumentos. E depois os professores captam as nossas características e atribuem-nos uma nota. Eu toquei clarinete, saxofone e fagote. Mal conhecia o fagote, confesso. Mas adorei aquele instrumento. Lembro-me que quando saí da sala pensei que era aquele instrumento que eu queria estudar, e dizia: “se não conseguir entrar em fagote não quero ir para o conservatório”. E até hoje toco fagote.
Ainda fiz o meu décimo ano em Ciências e Tecnologias, mas depois percebi que não era isso que eu queria. Queria estudar música, e a minha mãe ajudou-me a procurar – e a encontrar – uma boa escola. Implicou ir estudar para o Conservatório de Música do Porto, onde fiz o 10º, 11º e 12º anos. E agora vou para a universidade.
Entrei na Licenciatura de Música do Instituto Politécnico de Castelo Branco, entrei em fagote e em canto e agora se calhar tenho de escolher entre um e outro – e isso é a única coisa que me está a preocupar. Porque eu tenho esses dois amores – o fagote e o canto lírico – e se me obrigaram a optar tenho medo de não fazer a escolha certa.
De resto estou entusiasmada por estar a entrar numa nova fase, que é a universidade. Estar longe de casa não me assusta, porque já vivi no Porto nos últimos três anos. Às vezes ia para o Porto ao domingo, outras vezes ia à segunda-feira. Outras vezes não vinha à aldeia, sequer. Mas confesso que se estava muito tempo sem vir a Provesende ficava com saudades.
Acho que a única coisa que eu sinto diferença entre o Porto e aqui é que no Porto, se eu queria a alguns sítios ia de autocarro ou metro. Aqui não. Como ainda não tenho a carta de condução, tenho de dizer “mãe, podes levar-me aqui”, “pai, podes levar-me ali”. Acaba por ser um bocadinho chato, porque não temos tanta independência como quando estamos numa cidade maior.
Mas aqui estamos à vontade, nem que seja no meio da rua. Acho que as boas festas fazem-se pela companhia e não propriamente no lugar onde estamos. E depois há outra coisa que eu adoro aqui, que é o ar não ser poluído. Depois, claro, é a vida na aldeia. As pessoas conhecem-se todas, sabe-se tudo… À noite, estou com os meus amigos. Claro que não podemos fazer muito barulho, mas é uma aldeia muito segura. Até agora, e espero continuar assim – no Porto tenho que ter bastante mais cuidado do que aquele que tenho aqui.
Nunca desisti da Banda de Música de Sabrosa, não só porque é um bom sitio para praticar o fagote, mas porque a sinto quase como uma família. É um grupo muito acolhedor. Os membros têm idades muito diferentes. Há lá um senhor, o tio João, que anda na banda há 62 anos! Mas neste momento somos mais jovens do que propriamente pessoas com a idade a partir dos 40 anos. Agora vão entrar 11 músicos novos, todos os jovens, com 12, 13 e 14 anos. É muito bom, principalmente para alguém como eu, que estuda música e que gostava que a música em Portugal tivesse muito mais reconhecimento.
A banda foi o início do meu sonho. Se não estivesse na banda, acho que nunca teria o gosto pela música que tenho agora. Apesar de eu adorar a parte de tocar em conjunto – gosto muito mais de tocar em conjunto do que a solo -, a cantar já não é assim. Gosto mais de cantar a solo do que cantar em conjunto. Mas foi a banda que me deu o impulso para estudar música. Por isso é muito bom ver meninos tão jovens interessados pela banda.
Sim, às vezes acaba por ser cansativo. São as festas, as arruadas, as procissões. São longas, com o calor torna-se muito cansativo e às vezes ficar no sofá ou ir à piscina é muito melhor do que ir para a banda. Mas o convívio, no final, vale bem a pena.
O meu verão em Provesende foi passado entre a banda e os bombeiros, poucas vezes fui à piscina – consigo contar pelos dedos as vezes que fui. É uma opção. Quis entrar nos bombeiros porque sei a importância que esta corporação tem na aldeia. Nós já tivemos posto da GNR, centro de saúde, escola primária, farmácia. Fechou tudo. Mas os bombeiros mantêm-se cá. E espero que por muito tempo.
O meu pai chegou a ser segundo comandante dos bombeiros. E lembro-me que eu ia nas procissões muito pequenina – era uma mascote.
“A banda foi o início do meu sonho. Se não estivesse na banda, acho que nunca teria o gosto pela música que tenho agora.
Margarida Ribeiro
Vim para os bombeiros mais pela parte de saúde e do pré-socorro, sempre tive algum interesse nisso. Mas a parte dos incêndios também é importante, e eu queria perceber como é que isto funciona e como podemos ajudar. Durante os dois anos de Covid não houve grandes incêndios, mas este ano foi um descalabro. Ouvimos falar de tudo o que um bombeiro sofre, do calor, do cansaço extremo, das condições que há no meio do monte. Ouvir é uma coisa, mas viver… Este ano estive pela primeira vez numa grande frente de incêndio, na Serra da Estrela. Dois dias e meio. Foi difícil.
Estar a trabalhar nos bombeiros não é importante para começar a trabalhar desde nova, para ter a minha independência. Mas acho que é uma preparação muito maior para o futuro, quando tiver um trabalho na minha área profissional.
Não sei o que vou estar a fazer daqui a 20 anos. Se eu arranjar um trabalho perto, não me importo nada de continuar aqui. Mas claro que tenho objetivos maiores. Espero conseguir trabalhar naquilo que quero, que é a música.
Gostava que a música erudita em Portugal tivesse mais reconhecimento. Adoraria estar numa companhia de ópera ou numa orquestra. Gostava de, seja onde for, de estar numa dessas duas situações. E de dar aulas. O que eu posso dizer é que a partir de uma aldeia, os jovens também podem sonhar. Se tiverem força de vontade, se quiserem cumprir um sonho, acho que o céu é o limite.
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