Nasceu em São João da Pesqueira há 47 anos, mas já passou mais de metade da vida em Barcos, a aldeia a que chegou, por casamento, há 25. É trabalhador agrícola nas quintas da região, mas todos os tempos livres são dedicados ao artesanato em estanho, arte que descobriu por acaso e que o apaixona há 15 anos. Eis o seu testemunho.
“Sou o único artesão que tem porta aberta aqui em Barcos”
Sou Alexandre Mouco e sou natural de São João da Pesqueira, mas já estou há mais tempo em Barcos do que estive na minha terra. Estou aqui há 25 anos e na minha terra só estive 21. Como é que eu vim parar a Barcos? Eu andava a tirar um curso de turismo ambiental e rural na Pesqueira e lá também andava a minha esposa, a tirar um curso para trabalhar nos lares da terceira idade. E lá aconteceu. Conhecemo-nos, casamos e vim parar aqui. Estou cá muito bem, e já cá vi nascer os meus filhos.
Agora sou o único artesão que tem porta aberta aqui em Barcos. Eu aprendi a arte com um senhor de Vila Seca de Poiares, uma terra acima da Régua. Esse senhor – até já faleceu – ia à minha terra fazer a Feira de Nossa Senhora do Monte e foi lá que nasceu esta minha curiosidade.
Isto é a minha maluquice. Há os que gostam de carros, motas. Eu gosto disto.
Alexandre Mouco
Eu sempre gostei de mexer nas coisas da terra – em madeiras, pedras, isto e aquilo. Sempre gostei de artesanato. Quando o vi a mexer nisto cativou-me. E ele lá me ensinou. Ele tinha vindo de Angola para cá e dava formação, começou a dedicar-se a esta arte. Era só o que ele fazia. E ele ensinou-me algumas coisas, dava-me um bocadinho de estanho, restos, e eu punha-me lá a fazer rabiscos.
Ele deixou de ir, mas eu não desisti. Comecei a pesquisar. Não sabia trabalhar na internet, mas comprava revistas. Passado um ano ou dois, comprei a minha primeira folha de estanho. E assim começou. O resto veio com o tempo.
O primeiro trabalho que eu fiz foi um frasquinho para o café para dar à minha falecida mãe. Foi o meu primeiro trabalho, assim meio tosco. Mas a minha irmã ainda o guarda.
Agora faço muita coisa. Comecei até a inventar os meus próprios materiais, para usar menos patines, que usam muitos químicos. Esse senhor só fazia garrafas. Eu faço tudo o que me der na telha. E o que as pessoas me pedirem, claro. Faço muito figuras ligadas ao Douro. Normalmente pedem-me rótulos e eu lá vou inventando. Sou eu que os invento. Depois de fazer o primeiro, é só guardar. Agora também se guarda no computador. Mas eu gosto também de guardar em papel.
Há pessoas que chegam aqui e que trazem rótulos deles. E pedem: “quero que me faça isto”. E eu tenho de ajustar para o computador, depois transfiro para o papel milimétrico. É o que eu estou a fazer agora, a transferir um molde. Depois de estar pronto, é transferido para o estanho. Neste caso, estou a trabalhar numa jarra. Depois dou-lhe o relevo que eu quero, consoante o desenho. Às vezes tenho um relevo mais baixo, outras vezes tenho um relevo mais alto. Outra vezes tenho que ter corte de Richelieu, uma técnica específica. E depois, ao fim de estar pronto, leva uma resina com cera de abelha.
Eu sou uma pessoa que não gosta de fazer muitas peças, mas gosto de fazer com qualidade. E quando não me saem bem, vão fora. Os meus clientes são sobretudo juntas de freguesia, câmaras, pessoas que pedem rótulos personalizados para casamentos e batizados; outros que querem oferecer para as pessoas a que acham que se deve algum valor, e mandam personalizar com o nome. Essas coisas só faço por encomenda. Outras, sou eu que compro materiais e faço consoante a minha ideia, e lá se vai vendendo.
Eu trabalho nisto há 15 anos, mas há pouca gente a fazer isto. E para mim é um passatempo, que eu continuo a ter o meu trabalho – sou operador de máquinas agrícolas numa grande empresa de vinho do Porto. Eu até gostaria de viver só do artesanato, mas com estes anos parados são materiais supérfluos, não são materiais de necessidade básica, nem sempre há encomendas. E eu compreendo isso.
Mas isto é a minha maluquice. Há os que gostam de carros, motas. Eu gosto disto. Também é para aliviar o stress durante a semana do trabalho. Os meus fins de semana são sempre aqui, mesmo que não tenha encomendas, cá estou às vezes a inventar. Um dia bom para mim é isto, estar na minha oficina, onde eu me sinto bem. Onde me sinto à vontade, onde não me chateio com ninguém. Também gosto de estar com meus amigos, de beber um café e de conversar.
Aqui em Barcos a vida é pacata. Tenho dois filhos, gémeos, na Holanda, que emigraram há quatro anos, e tenho uma menina de 13 anos que ainda está aqui connosco. É ela quem tira as fotografias aos meus trabalhos, quem me organiza o portfólio. Eu sei o que é artesanato. Antes de ter a responsabilidade que tenho – casa a pagar, família, tudo o mais – andava sempre a correr feiras. Mas depois tive de acalmar. Mas sei o que é o artesanato. E movimenta milhões de euros, as pessoas é que não têm noção disso.
Se houvesse programas a incentivar as pessoas a trabalhar nisto, se calhar não haveria tanta desgraça, nem tantos jovens a ir embora. Eu sei que é difícil, a gente trabalhar com isto. É difícil vender, é complicado. Eu costumo dizer que isto vai ser o amparo da minha velhice. Mas se as pessoas lutarem pelos seus sonhos, conseguem. Tudo se consegue.
Mais sobre Barcos
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