Crescer numa família que sempre adorou a terra natal moldou-lhe a vontade. Nasceu e cresceu em Madrid, mas aos 13 anos mudou-se de vez para Salzedas. Fez o ensino secundário em Tarouca e o curso de veterinária na Universidade de Vila Real, e hoje é uma orgulhosa executiva na Junta de Freguesia local. Eis o seu testemunho.
“Estarei feliz quando ao dizer que sou de Salzedas toda a gente souber onde fica”
Chamo-me Cátia Custódio e tenho 24 anos. A minha mãe é de Salzedas, o meu pai é da Murganheira, os dois conheceram-se na Banda Filarmónica de Salzedas. Casaram, foram para Madrid, e eu e o meu irmão nascemos lá. Mas vínhamos sempre de férias.
Desde pequenina que me lembro de me perguntarem se eu gostava mais de viver em Madrid ou em Salzedas, e eu sempre disse Salzedas. Quando, no final das férias, tínhamos de ir embora, eu chorava porque queria ficar em Salzedas.
Lembro-me que, numa dada altura, vínhamos cá todos os meses. Foi pouco antes de os meus pais decidirem regressar a Portugal. Quando regressámos, eu tinha 13 anos, vim fazer o nono ano na Escola Secundária de Tarouca. Achava que ia ser muito complicado em termos académicos, porque tinha muita vergonha do meu sotaque espanhol. Os meus pais falavam comigo em português, mas eu nunca falava português com eles. Mas quando viemos para aqui viver, decidi que tinha de começar a falar sempre em português. E acho que a adaptação foi boa, porque creio que tive um trajeto académico normal, igual ao dos meus colegas. Fui muito bem acolhida por todos.
A minha ambição é vir para Salzedas morar.
Cátia Custódio
Eu sempre participei em praticamente tudo o que acontecia na minha terra; sempre tive muitas ideias e tinha dificuldades a pô-las em prática. Os meus pais eram músicos, desde novinha que a música faz parte da minha vida. Comecei a tocar violino com cinco anos. Via os meus pais e sempre quis entrar para a banda, só que não podia entrar com o violino. Tive de optar por um instrumento de sopro, e o que eu escolhi foi o saxofone. Mas já consegui fazer um espetáculo no mosteiro com a banda e o meu violino – para tocar o Avé Maria de Schubert.
Entretanto, depois de entrar na universidade – eu fui estudar veterinária na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, em Vila Real -, o violino acabou por ficar encostado. É um instrumento muito exigente, é preciso praticar muito e eu já não tinha tempo para estar a tocar quatro horas por dia, como antes fazia.
Entretanto, acabei o curso da UTAD. E já estou a exercer. Sou médica veterinária no Canil Municipal de Lamego e no Parque Biológico da Serra das Meadas. O meu namorado trabalha em Alijó, por isso estamos a viver em Vila Real, a meio caminho dos nossos empregos. Mas a minha ambição é vir morar para Salzedas.
Agora faço parte do executivo da Junta de Freguesia. Nunca me teria lembrado disso, mas foi o presidente – Manuel Laranjo – que foi um dia a minha casa e me convidou para fazer parte do executivo. Ele já lá estava há oito anos, e fiquei muito admirada por me convidar não apenas para integrar uma lista, mas sim para integrar o executivo. Eu fiquei em choque. Lembrei-lhe que nunca tinha feito parte de nada do género, que era muito nova. Mas ele pôs-me super à vontade e disse-me “eu sei que tu tens muitas ideias para Salzedas. Este convite é para poderes pôr essas tuas ideias em prática”. E eu decidi aceitar o desafio. Consigo pôr algumas dessas ideias em prática e sinto que as pessoas contam connosco. Claro que há coisas que são difíceis de lidar, mas de uma maneira geral é gratificante as pessoas virem ter connosco e darem sugestões.
É errada a ideia de que um jovem não tem nada para fazer numa aldeia, ou que não há qualquer forma de se agarrar a Salzedas. A verdade é que, mesmo sendo uma região do interior, tem motivos para um jovem poder dizer ‘eu tenho esta ideia, eu tenho este objetivo, vou pô-lo em prática’. O que não faltam são jovens com ideias, e Salzedas é um bom sítio para as pôr em prática.
Acho que o facto de ter crescido numa família que gosta tanto da aldeia, e que valoriza Salzedas, foi fundamental para eu gostar tanto disto. A minha avó materna tem um enorme orgulho em Salzedas. Toda a família no geral, os meus tios, os meus pais, os meus tios por afinidade… Toda a gente gosta imenso disto, faz por participar nos grupos de cantares, na banda, e em tudo o que tenha a ver com promover Salzedas.
Essa é uma razão, mas deve haver outras que não consigo explicar. Onde quer que eu vá, digo mesmo com orgulho que sou de Salzedas. As pessoas que me rodearam em Salzedas, quer na banda quer fora dela, no grupo de cantares, por exemplo, todas me passaram, desde pequenina, aquele orgulho em ser salzedense. Quando saio com os meus amigos de Tarouca e eles dizem “somos de Tarouca”, eu corrijo sempre. “Eu sou de Salzedas, não sou de Tarouca”. É aquele orgulho.
O que mais gosto? Gosto da vida que Salzedas tem, apesar de muita gente estar a sair – é um problema geral do interior. Mas há muita vida em Salzedas. E por todas estas pessoas que cá estão, que agora têm mais idade, que querem fazer mas já não conseguem tanto, sinto que tenho obrigação de fazer algum coisa. Eu quero fazê-lo por mim, mas também por elas. O meu principal desafio é levar o nome de Salzedas mais longe. Nós sabemos o valor que Salzedas tem, mas lá fora ainda não sabem disso; mas vão saber em breve!
Onde quer que eu vá, digo mesmo com orgulho que sou de Salzedas.
Cátia Custódio
Criar mais postos de trabalho é fundamental. Se houver mais turistas, se tiverem onde se alojar e onde comer vão trazer mais negócios a Salzedas – os negócios acabam por se instalar. Ao terem onde investir, as pessoas não saem tanto. Criar postos de trabalho para o pessoal mais novo é essencial.
Eu estarei feliz quando for por aí fora e ao dizer que sou de Salzedas toda a gente saiba onde fica. Saibam que tem um mosteiro lindíssimo, que tem aquelas pontes romanas magníficas e que tem aquelas pessoas que nos acolhem e que começam a cantar no meio da rua. É por isso que Salzedas deve ser conhecida: pela sua gente e por tudo o que tem para oferecer.
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