Com apenas 26 anos de idade, Camille Hoyois mudou-se dos resorts de luxo do Club Mediterranée onde trabalhava há já vários anos, para ajudar a construir um projeto quase de raíz nas planícies de Santana do Mato. A propriedade de 12 hectares, comprada pelos pais para trocarem a cinzenta Bélgica pela soalheira Coruche, é hoje a morada da jovem animadora turística que, com o namorado francês, assegura a receção dos hóspedes da quinta Do Água Boa ao longo de todo o ano. Eis o seu testemunho.
“Gosto é desta paz, deste silêncio, de ver tanta natureza à minha volta”
Chamo-me Camille Hoyois, tenho 26 anos e moro há quase dois na herdade Do Água Boa, em Santana do Mato. Os meus pais são belgas, e foram eles que compraram esta propriedade em Coruche em 2018, quando andavam à procura de um sítio com sol para escapar aos dias sempre cinzentos da Bélgica. Moramos numa cidade perto da fronteira com a França, onde faz sempre muito frio.
Eles viajam muito e, antes de se decidirem por Portugal, passaram por muitos outros países – como a Itália e a Espanha. Mas quando visitaram Portugal disseram: “é em Portugal que queremos viver”. Foi durante um passeio de moto-quatro aqui na região de Coruche que eles se apaixonaram por isto. Entre tudo o que viram, perceberam que em Portugal as pessoas eram simpáticas, as condições fiscais eram vantajosas, o custo de vida era menor e as paisagens eram lindíssimas. E havia sempre sol!
Nós, os filhos, não participamos muito nessa decisão. Tanto eu como o meu irmão tínhamos as nossas vidas profissionais. Eu estava a trabalhar já há alguns anos no Club Méditerranée, uma empresa francesa que tem resorts turísticos em vários pontos do mundo, e não apenas em França. Lá eu fui gestora de família durante várias temporadas. Quando eu e o meu namorado, o Aloïs (Moreau), nos mudamos para cá, estávamos os dois a trabalhar no cruzeiro das Caraíbas do Club Med.
A minha mãe é enfermeira e o meu pai é um empolgado amante de desporto automóvel. Foi a minha mãe quem encontrou este terreno, quando andava a fazer pesquisas na internet. Eles ainda falaram com agências imobiliárias, mas estes estão mais preparados para oferecer soluções a pessoas já na reforma que só procuram um sítio para passar os dias ao sol. Os meus pais não andavam à procura de tudo já pronto. Eles queriam construir, não estavam a pensar na reforma dourada! Encontraram este terreno de 12 hectares que tinha sido comprado por um casal inglês que queria construir aqui um hospital para cavalos. Mas a falta de tempo e recursos, e depois o Brexit, levou-os a vender tudo.
A casa grande que aqui estava – e onde nós estamos a viver – tinha já sido feita por eles. Mas a construção estava a meio, abandonada. No inicio ainda não estava claro para a família que aqui iria nascer um projeto turístico. O objetivo era ter uma segunda casa e desfrutar de Portugal.
Os meus pais compraram isto em 2018. Mas foi quando estavam com as obras por aqui que encontraram esta casa portuguesa completamente em ruínas. Então, pararam com os trabalhos na casa grande e aceleraram os trabalhos nesta aqui, para poderem vir mais depressa para cá morar. Sabiam que aquela casa ia demorar mais tempo a reconstruir. Esta aqui foi reconstruída em apenas seis meses. As obras acabaram em 2019.
Entretanto, começou o Covid e nós, que estávamos no tal cruzeiro nas Caraíbas, fomos repatriados para Portugal. E os meus pais disseram “bom, nós temos aqui este investimento, originalmente era um investimento para nós, mas será que vocês não querem reinvestir connosco e fazer o Club Med aqui?”. E nós acabamos por ficar entusiasmados e dizer que sim.
Viemos os cinco para aqui, os meus pais, o meu irmão Nathan, eu e o Aloïs e fizemos, e continuamos a fazer, muitas reuniões para debatermos o que queremos construir aqui. Isso é o que eu mais gosto na Quinta Do Água Boa. É ser um projecto familiar, muito debatido.
Os meus pais não tinham experiência nenhuma em turismo. Nós sim. Quando eles vieram para aqui e nos juntamos a eles para ver a propriedade, o que era e como era, pensamos que era de facto uma localização linda… E pensamos em investir, claro. Pensamos em fazer a piscina, em criar ali um ambiente de praia, tudo natural. A todo o momento havia ideias e ideias e ideias. E nós fomos fazendo tudo, a partir do zero.
Cada elemento da família trouxe o seu gosto e a sua vocação para este projeto. O meu pai, Philippe, trouxe os seus carros e bicicletas, ajuda a organizar passeios pela quinta e por toda a região. Temos jipes, Renault 4L, bicicletas elétricas.
A minha mãe, Monique, é uma apaixonada por animais, quer aqui fazer uma quinta pedagógica, mas só quando estiver cá a tempo inteiro para se conseguir dedicar aos animais. Por enquanto, eles ainda passam seis meses cá e seis meses na Bélgica.
O meu irmão, Nathan, é fascinado por permacultura, está a criar o espaço zen e uma horta. O Aloïs é especialista em golfe – era o que ele fazia no Club Med, era monitor de golfe. Ele também pode dar aulas aqui, mas a verdade é que não tem havido muita procura entre os nossos clientes. Mas organiza muitas atividades desportivas.
Eu criei o espaço família, preparo as atividades para as crianças, gosto de cozinhar e de fazer as refeições a pedido. Por enquanto não temos muita gente alojada ao mesmo tempo, eu posso tratar de jantares sob encomenda.
Agora há um amigo do meu pai, também belga, que veio cá em férias e gostou tanto que vai fazer a mesma coisa. Comprou o terreno ao lado, e o Do Água Boa vai crescer. Agora temos três alojamentos turísticos para oferecer. Eles vão fazer mais quatro, e serão apartamentos com mais design e individuais, não estarão geminados como estes que agora temos. O Do Água Boa vai crescer.
O nome da quinta tem uma história engraçada. Originalmente, o nome da rua que serve a quinta chama-se Rua da Água Boa. Mas nós quando fomos fazer o registo, e porque não sabíamos bem falar português, escrevemos “Do” em vez de “Da”. É um erro. Mas deixamos ficar assim. Assumimos que não sabemos falar bem. Mas estamos a esforçarmo-nos muito. E a aprender.
Nós gostamos muito de viver aqui em Santana do Mato. É um sítio tranquilo, bonito. O que eu mais gosto é desta paz, deste silêncio, de ver tanta Natureza à minha volta. Estamos a meia hora de Lisboa, vamos lá muitas vezes para jantar, dançar, estar com amigos. Coruche também é uma cidade simpática, e tem tudo o que é preciso.
Estamos entusiasmados com este projeto, estamos sempre a discutir o que fazer no futuro. O meu irmão Nathan abriu um bar em Setúbal, e está a pensar organizar eventos e fazer cocktails em casa de pessoas. Eu gostava de organizar eventos maiores aqui na quinta, incluindo casamentos. Estamos sempre a pensar no que podemos fazer.
Durante a pandemia os nossos clientes foram quase todos portugueses. Somos muito procurados por famílias, que encontram aqui um ambiente tranquilo e relaxado. Todos gostam, sobretudo os que trazem cães. Os animais são muito bem vindos no Do Água Boa. Têm muito espaço onde brincar.
Nota: caso queira experimentar passar uns dias na quinta Do Água Boa, pode ver disponibilidade e preços aqui.
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