A experiência de um familiar que produz aguardente vínica em Baião levou-o a querer fazer uma destilaria em pleno Alentejo. Teria de ser em São Pedro do Corval, a aldeia onde nasceu e da qual nunca quis sair. Marcelo Pinto, 35 anos, abriu com a mulher um negócio familiar e lançou o Alqueva Lake Gin. Ambos esperam que o negócio prospere e possa criar emprego para mais gente da aldeia. Eis o seu testemunho.
“Queremos dar estabilidade e emprego a pessoas da terra”
Chamo-me Marcelo Pinto, tenho 35 anos, e sou natural de São Pedro do Corval. Nasci, cresci, e sempre vivi nesta aldeia. Nunca pensei ir para outro lado. Tenho uma costela do norte, de Baião, terra do meu pai. Eu gosto de lá ir passar um mês no verão, mas acho que não gostaria de viver em Baião. Lá faz muito frio; prefiro o calor do Corval.
Fiz a escola primária na minha aldeia, e andei no ciclo e no secundário em Reguengos de Monsaraz, onde fiz o 12º ano. Depois entrei para a Escola da Guarda, mas sempre vivi aqui, na minha aldeia. Sou um jovem alentejano assumido. Sou casado com outra alentejana, a Nadine Valério, natural de Barrancos, e decidimos abrir uma destilaria em São Pedro do Corval.
É sempre arriscado avançar com um novo negócio, e fazê-lo numa aldeia em pleno Alentejo não torna as coisas mais fáceis.
As minhas ligações à destilaria surgiram da tal vertente familiar do norte de Portugal. Temos uma destilaria de aguardente vínica que pertence aos meus avós, e é o meu padrinho que a está a explorar. Estava lá de férias com ele e disse-lhe que ia fazer um teste de destilados com gin, experimentar num alambique de cinco litros. Comecei a fazer testes, pus os amigos a degustar e eles disseram-me para avançar. Claro que foi preciso afinar, o primeiro gin que fiz não tem nada que ver com este, mas foi consumível à primeira.
Andámos cerca de um ano e meio a preparar este projeto. Montámos a destilaria num antigo restaurante de São Pedro do Corval, que agora está licenciado como indústria.
Saímos para o mercado a 28 de agosto de 2019. Apanhámos logo a pandemia, e ainda não tivemos nenhum verão a sério; mas acho que as coisas estão a correr bem. Tem sido sempre a evoluir, já estamos a trabalhar com bons distribuidores nacionais.
Trouxemos um negócio moderno para o centro de uma aldeia. O gin é uma bebida que está bastante na moda, sobretudo na juventude. A proximidade que nós temos do grande lago de Alqueva inspirou-nos para criar a nossa marca, o Alqueva Lake Gin.
Na produção das nossas referências de gin usamos botânicos preferencialmente alentejanos – o limão, a laranja, a lúcia-lima, o tomilho-limão. São quase todos produzidos nas margens do lago de Alqueva. Zimbro é a unica coisa que não consigo comprar no Alentejo. Já tentei plantar, mas demora sete anos a dar a baga. E o zimbro quer muito frio. Aqui não se desenvolve.
Também tentámos fazer uma aguardente de figo envelhecida em carvalho francês. Porquê o figo? Porque nós não somos tutelados pelo Instituto da Vinha e do Vinho, mas sim pela Autoridade Alfandegária e pela Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE). Como não posso fazer nada ligado ao vinho, arranjei forma de fazer outra aguardente, fazendo maceração da fruta e destilá-la.
Temos em perspetiva um projeto de maior dimensão; mas, para já, queremos ter um primeiro verão a sério, sem Covid. Por enquanto, tanto eu como a minha mulher temos outras profissões, mas já temos uma funcionária – que é de São Pedro do Corval e também vive aqui! – a trabalhar connosco. É ela quem está aqui todos os dias para receber os clientes que queiram fazer uma degustação ou comprar os nossos produtos. Mas já precisamos de um espaço maior, para fazer os destilados sem entrar em conflito com o armazenamento e a expedição; e, sobretudo, para haver uma melhor forma de mostrar aos clientes que nos visitam como é que fazemos o gin, dar-lhes a conhecer todo o processo.
O melhor de viver no Alentejo são as suas paisagens fabulosas, a maravilha do lago de Alqueva. E em São Pedro do Corval temos as olarias e a sua história – que é muito grande. Nós, com a empresa e com a nossa loja, acrescentámos mais um motivo de visita.
Gosto de explicar às pessoas o processo. Mostramos a cuba principal, onde temos o álcool neutro, e como ele vai ser transportado para outra cuba, onde depois é feita a infusão. Lá colocámos todos os botânicos alentejanos que vamos usar para aromatizar o gin. Fica ali um período de tempo na infusão, e depois passa para uma caldeira que é aquecida e onde o álcool vai encontrar o destilado em sistema de vapor. Vai fazer refluxo, e o contacto com a água – o quente e o frio! – vai fazer a condensação e então temos a bebida em estado líquido.
No início houve vontade de desistir, porque não chegámos de imediato à ciência da destilação. Mas a minha mulher é matemática, ajudou-nos a lá chegar. Eu e ela somos sócios aqui na empresa. Ela faz a parte estrutural, contabilística e administrativa. É incrível como todos os dias temos papéis.
Já temos uma filha com oito anos e agora um bebé de poucas semanas. Estamos também a construir uma casa maior aqui em São Pedro. Sempre em São Pedro do Corval. Nunca pensei em sair daqui. Eu adoro o Alentejo e adoro aqui a nossa zona. E esta proximidade à Barragem do Alqueva, como digo, é fantástica.
Iniciar um negócio desta envergadura é sempre um risco. Há muitos jovens que procuram os grandes meios urbanos para se lançarem com os seus projetos. Mas eu acho que a nossa zona até é privilegiada em termos de empregabilidade: há o turismo, as olarias, estes pequenos negócios que vão surgindo. Por isso, aqui também ainda vai havendo juventude. Já houve montes, quintinhas e casas degradadas que foram requalificadas por gente de fora. Ainda há uma semana havia uma placa a dizer “vende-se” na casa em frente à destilaria, e soube que já foi vendida a um casal de Lisboa. Eles, por autoestrada, num instante se põem aqui.
Temos clientes de todas as idades para o nosso gin. Tanto somos procurados pelo cliente mais velho, que nos traz grandes histórias de gin, gente que já provou muitos e conhece, como temos o cliente jovem, porque o gin é uma bebida que está na moda.
Felizmente, temos o nosso gin em todos os hotéis aqui da região, estamos na praia fluvial de Monsaraz, em regime de exclusividade, e trabalhamos com um grande distribuidor. A nível nacional estamos a vender em todo o território continental e algumas ilhas, e temos já contratos com clientes na Alemanha e em Espanha; e irá surgir, com a aguardente de figo, a oportunidade de vender no Canadá.
No novo projeto em que estamos a trabalhar, já vamos precisar de quatro pessoas a trabalhar a tempo inteiro. Ainda não posso revelar muito, mas além de querermos evoluir como empresa, também queremos dar alguma estabilidade de emprego a pessoas da terra.
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