Já foi um castro e vila medieval, já foi sede de concelho. Hoje, o Jarmelo, na Guarda, é sobretudo um território de pequenos povoados dispersos: Ima, Almeidinha, Donfins, Urgueira, Castanheira, Pínzio, Toito e Pomares, entre outros. Mas tem o alto do monte, o alto do Jarmelo, a uni-los na tradição de ali rumarem para as obrigações religiosas. Jarmelo é também terra de ferreiros – é lá que vive o último fazedor de tesouras de tosquia – e, há cerca de dois anos, terra de inclusão e integração. Numa das suas aldeias, Ima, está a decorrer um projeto-piloto de integração de migrantes e refugiados.
Odete Antunes está a espreitar atrás da cortina. Mas mesmo com a janela embaciada conseguem ver-se os seus olhos abertos, atentos, esbugalhados. A preocupação de Odete não é com três desconhecidos que andam a rondar a sua janela ainda a manhã mal tinha raiado. O desassossego que a leva a abrir a portada é Piloto, um cão de quase um ano, o guarda não só da casa dos irmãos Antunes mas porventura de toda a aldeia. “Ele costuma andar por aí à solta, às vezes dorme à porta de outras pessoas, dorme onde lhe apetece. Mas o meu medo é que ele vá atrás de vocês e depois não volte. Uma vez foi atrás de um senhor quase até à Guarda”, explica Odete, do lado de dentro da janela.
Ouviu que os três desconhecidos não iriam a lado nenhum; iam sim ficar uns dias pela aldeia. Foi o fim da preocupação de Odete. Piloto poderia continuar à vontade. O cão, de raça indefinida, resultado de uma mistura de várias raças, é uma espécie de relações públicas da aldeia, circula entre os campos e as casas, leva brincadeiras e traz avisos, sinaliza as rotinas e alerta para as novidades.
Nessa manhã, os desconhecidos eram novidade. A rotina manteve-se. Zahid, de 13 anos, e Sami, de 11, são os primeiros a aparecer na rua, e a subir a estrada até ao cruzamento onde o autocarro da Câmara Municipal os vem buscar para os levar à escola. Nasceram no Uganda, estiveram vários meses em Lisboa e estão há um ano a viver em Ima do Jarmelo, a frequentar a escola na Guarda e a alimentar os sonhos de serem “como o Cristiano Ronaldo”.
Treinam numa das eiras da aldeia sempre que podem, com as balizas imaginadas entre os troncos das árvores. Mas já têm outra profissão como plano B. Zahid anda no sexto ano, e quer ser engenheiro informático. Sami, está na terceira classe, e quer ser piloto. Certo é que nenhum quer voltar ao Uganda, país onde, diz Sami, “há muitos ladrões” e as “pessoas são más”. Sami ainda se expressa mais em inglês do que em português. Zahid já fala num português corretíssimo: “Em Ima fizemos muitos amigos”.
O mais recente é Collis, camaronês com 10 anos de idade, o mais novo da última família de migrantes e refugiados a chegar à aldeia. Por causa do projeto LAR, levado a cabo pela Associação de Apoio à Inclusão de Imigrantes e Refugiados (AIIR) desde 2018, há já três famílias africanas a viver em Ima, oriundas do Uganda, da Nigéria e dos Camarões.
As histórias de vida que levaram estas famílias a sair dos respetivos países são díspares, mas têm vários aspetos em comum. O mais relevante será, talvez, o facto de terem acreditado que Portugal poderia ser o destino perfeito para reconstruírem as suas vidas, longe da violência, da intolerância, da pobreza.
As famílias da Nigéria e do Uganda estão instaladas há um ano. A dos Camarões acaba de chegar. Bárbara Moreira, a mentora do projeto LAR, ela própria uma nova moradora na aldeia, recorda que ainda vão instalar uma quarta. O projeto assentou arraiais em Ima e, hoje em dia, é responsável pela criação de cinco postos de trabalho na aldeia. Mas o objetivo é deixar as famílias instaladas e seguir caminho, uma aldeia de cada vez.
“A ideia é nós deixarmos de existir aqui em Ima, e que as pessoas que estamos a ajudar a instalar fiquem perfeitamente autónomas. Ninguém está preso aqui. A ideia é que queiram ficar aqui, porque aqui é o sítio para ficar”, diz Bárbara.
Bárbara ganhou forças para avançar com este projeto quando viu a imagem de Alan Kurdi, o menino sírio de três anos morto numa praia da Turquia, náufrago na travessia do Mediterrâneo enquanto tentava chegar à Europa. Acreditou que a busca destas famílias por abrigo poderia encontrar resposta nas muitas aldeias despovoadas do interior do país. Passou da ideia à prática, e começou a elencar as características da aldeia ideal pela proximidade a um centro onde fosse possível encontrar os serviços essenciais. Por isso escolheu Ima, aldeia do Jarmelo, a pouco mais de uma dezena de quilómetros da Guarda.
Bárbara não sabia se iria encontrar braços abertos para receber a população migrante. No início teve de argumentar para os convencer. Agora pode ter a certeza que conseguiu. Os migrantes são os novos habitantes de Ima, recebem e oferecem a mesma entreajuda existente entre os vizinhos que o são desde sempre.
Odete Antunes, vizinha de facto de uma destas famílias, confirma-o. Os seus olhos cor de amêndoa até brilham quando se refere aos novos habitantes de Ima. “São muito educados. Às vezes vêem que estou a carregar baldes ou sacos e perguntam se preciso de ajuda. É uma alegria ouvi-los a brincar”, conta.
Os choros e os risos das crianças trouxeram nova vida à aldeia, até então muito envelhecida. Os irmãos Odete e Duarte Antunes, com 83 e 86 anos, não são os mais velhos da aldeia porque o capitão Mateus Trindade já tem quase 90 e a viúva Conceição Saraiva chegou aos 94.
Se a Ti Conceição é a mais velha da aldeia, Fátima, com um ano e meio de idade, é a mais nova. Irmã de Zahid e Sami, Fátima tem o sangue ugandês da mãe, Karima, e paquistanês do pai, Hussain. Mas já nasceu portuguesa, no Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
“É uma ternura de bebé. Ela passa por nós dizemos ‘bom dia, Fatinha’, e ela sorri muito e lá diz adeus”, conta Mateus Trindade, momentos depois de ver passar a mãe, Karima. O capitão está na rua a erguer um muro, Karima passou a trabalhar, não traz a filha nos braços. Mas traz sempre um sorriso: “bom dia, senhor Mateus”.
O velho capitão, que tantos anos andou por África, confessa ter antecipado a possibilidade de haver problemas. “São religiões diferentes, culturas diferentes, línguas diferentes”, explica. Não estava sozinho nas dúvidas. Joaquim Almeida, com 86 anos, trabalhou e viveu sempre em Lisboa, também não vaticinava sucesso ao projeto LAR: “Então se os daqui vão embora porque cá não há trabalho, estas famílias vêm para aqui fazer o quê?”, dizia. Continua a não acreditar que possam conseguir viver só da agricultura.
Mateus Miragaia, ferreiro em Donfins, com 80 anos de vida e 64 de forja, encontra outra explicação. “Os de cá iam para a França, porque lá havia dinheiro e trabalho. Aqui não há uma coisa nem outra”, começa por afirmar. Mas logo acrescenta: “se vêm à procura de paz, isso aqui vão encontrar com certeza”. Ainda assim o ferreiro espanta-se com a ousadia. “Eu sei que a morte é negra, mas virem naquela porcaria daquele barquinho… É preciso estar muito desesperado e aflito”, sentencia.
Desespero e aflição são palavras que já não entram no vocabulário de Paul Afolabi, um nigeriano de 41 anos, funcionário do projeto LAR. Em Lagos, capital da Nigéria, onde vivia com a família, era professor de química num instituto universitário. A mulher era professora de língua gestual. Hoje, ela trabalha no centro de dia da Arrifana (uma outra freguesia da Guarda) e ele está no campo a arranjar 15 quilos de alho-francês para vender num mercado de fim de semana. Os filhos, Kelvin de 14 anos e David de 11, estão na escola.
Paul chegou a Portugal há seis anos. Continua a lutar para aprender a falar português. É o que faz quando não está a trabalhar: ou está a “estudar língua portuguesa, em aulas online”, ou a ver documentários “sobre ciência, tecnologia, ambientes naturais”. E agora também sobre agricultura, claro.
A agricultura entrou na vida de Paul Afolabi pela primeira vez há um ano. “Levanto-me às seis da manhã. Entro no trabalho às oito, e saio às cinco. É um trabalho bom. Não é difícil. Estou a gostar. E a aprender muito”, diz.
Quando imaginou o projeto LAR – Love and Respect, Bárbara pensou em reabilitar casas devolutas em aldeias despovoadas (com apoio de voluntariado e mecenato); mas também em criar condições para que os campos voltem a ser cultivados e as famílias possam ter algum sustento. A aposta inicial foi produzir bagas goji, groselhas e açafrão, e garantiu que haveria alguém a comprar toda a produção. Hoje em dia, o leque de produtos é muito variado, e continuam a ser testadas formas e alimentos, com o objetivo de levar ao mercado produtos de valor acrescentado – que possam garantir maior rendimento.
“Não faz sentido estar a produzir apenas alho-francês ou batata para vender numa região onde toda a gente planta no quintal. Mas faz sentido testar novos produtos, que vamos vender a outras zonas, e às cidades”, diz Catarina Bento, gestora do projeto LAR.
Catarina também é natural de uma aldeia – Cem Soldos, em Tomar. Vivia há muitos anos em Lisboa, onde trabalhava na área da inclusão social, mas com outro público vulnerável como alvo: as crianças. Acreditou no projeto LAR e conhecia a região – o namorado tem família na Miuzela, a aldeia onde Catarina agora vive. O namorado continua a viver em Lisboa, mas Catarina quis vir trabalhar para Ima. Chegou em fevereiro. “Sou uma pessoa normal, que todos os dias se mete no carro para ir para o emprego. Só que o meu emprego é numa aldeia”, diz, sorridente. “O que mais gosto aqui é mesmo deste espírito de comunidade”, sintetiza.
Em conjunto com a responsável pela inserção social do LAR, a psicóloga Vanessa Rei, as duas técnicas do projeto procuram resolver os obstáculos e garantir a estas famílias a possibilidade de serem autónomas, auto-suficientes.
A última aposta foi produzir chutneys, geleias e doces. Karima Javaid é a cozinheira que participou no desenvolvimento de vários produtos que estão já a ser vendidos para todo o país. Era difícil a Karima criar receitas com produtos que não conhecia; mas, com a participação de alguns chefs que voluntariamente avançaram com sugestões, Karima aprendeu como executá-las, fez novas experiências. E chegou a um doce de figo e lima e a outro de curgete e gengibre. E concebeu uma geleia de malaguetas amarelas, plantadas de propósito para o efeito; e um chutney de tomate e chili. “Procuramos desenvolver produtos que tenham um toque intercultural. Também é isso que nos interessa”, sintetiza Catarina Bento.
Interculturalidade é o que também traz ao Jarmelo o cabo-verdiano Samuel Leal. Natural da ilha de Santiago, com 30 anos, e a viver há dez em Lisboa, Samuel escolheu a aldeia de Ima para testar os conhecimentos adquiridos no Instituto Superior de Agronomia. Licenciou-se em Gestão Agrónoma e candidatou-se a um estágio profissional no projeto LAR. Quando o entrevistou, Catarina Bento avisou-o que na Guarda fazia muito frio. Samuel chegou em setembro, quando ainda estava calor, cheio de roupa e de gorro. Catarina e Samuel riem-se muito quando se lembram disso. Com dois meses de estadia, o cabo-verdiano está a aprender a viver na serra. Mas ainda não encontrou nada que verdadeiramente o assuste. Até porque prefere trabalhar no campo a passar os dias no armazém de uma grande empresa logística onde antes trabalhava.
“Ima é uma aldeia pacata. Aqui tudo é natural, respiras ar puro, não tens de correr para apanhar o autocarro ou o comboio. É tudo muito tranquilo”, diz. “O futuro a Deus pertence”, mas dois meses de vida na aldeia já permitem a Samuel dizer que tem em Ima muitos dias bons. “Um dia bom é acordar de manhã, vir trabalhar, receber um ‘bom dia’ dos mais velhos, dos mais pequenos, dos meus colegas. Ser feliz, é isso”, termina.
O pequeno Zahid tem um conceito de felicidade mais expressivo. “Adoro viver em Ima”. Gosta muito de andar na escola, e a disciplina preferida é Matemática e Ciências. Mas foi a Tecnologias de Informação e Comunicação que, diz orgulhoso, tirou um cinco no primeiro período. Por isso quer ser engenheiro informático. Ou Cristiano Ronaldo. Continua a esforçar-se por ser bom na escola, e no futebol. Zahid sabe de cor o dia em que chegou a Portugal – 31 de dezembro de 2019. Já não se lembra bem do que pensou quando os pais lhe falaram que iam viver para uma aldeia. “Quando cheguei aqui achei que era muito divertido. Há muitos animais, nas aulas de ciências as coisas são mais fáceis. E as pessoas são muito simpáticas”, explica.
Vanessa Rei lembra que o projeto LAR está empenhado em proporcionar a estas famílias os instrumentos para serem autónomos e terem sucesso, “em todos os quadrantes”. Vanessa é natural da Guarda, trabalhou em França, no Consulado-Geral de Portugal em Paris, trabalhou em Inglaterra, no projeto Keys, com crianças em risco. “Sempre quis estar em organizações cujo trabalho tivesse impacto na vida das pessoas. E depois descobri que havia este projeto incrível à porta de casa”, comenta.
A psicóloga trata os aldeões pelo nome. Esteve, nas férias de verão, envolvida na organização de atividades para crianças de todo o concelho. Agora está a tentar mobilizar os moradores a juntarem-se para fazer decorações de Natal.
Vanessa Rei foi, também – a par com Isidro Almeida, arquiteto e dono das Casas da Ima, e Agostinho da Silva, professor e ex-presidente da Junta de Freguesia – uma das principais dinamizadoras do magusto comunitário que permitiu reabrir a Casa do Povo da aldeia, fechada por demasiado tempo por causa da pandemia. O ano foi bom para as castanhas, toda a gente tinha muitas para partilhar. E todos estavam com saudades de um bom convívio.
Durante o magusto, Vanessa Rei estava empenhada em convencer Alcina Trindade ou Imelda Miragaia a reabrirem o forno comunitário da aldeia, para ali cozerem uma fornada de pão. As duas cunhadas, que já amassaram muito pão na vida, uma na Ima outra em Donfins, resistiam. O forno é muito grande, não é usado há vários anos, ia demorar muito tempo a aquecer, explicam. Vanessa não desiste. Quer ver as estruturas comunitárias da aldeia a serem usadas novamente. Entre uma castanha e uma jeropiga, entre um pedaço de pão ou uma fatia de bolo, algo se haverá de arranjar, combinam. Odete Antunes lembra-se dos dias em que se ia ao forno da aldeia cozer o pão para durar duas semanas. Os tempos eram de míngua. Por estes dias, são bem mais de fartura.
Há mesa posta no interior da Casa do Povo, há mesa farta no exterior do edifício. Domingo à tarde, cada morador trouxe uma “multa”, todos se preocuparam em que houvesse algo ao agrado de todos. A família muçulmana não comeria as febras de porco que crepitavam no lume – mas Isidro também arranjou frango para que aquela família, se quisesse, também pudesse comer carne.
Os vizinhos de Donfins também vieram ao magusto. Imelda Miragaia, que tantas vezes brilhou na Ronda do Jarmelo com o seu toque de realejo, não trouxe o instrumento para o repasto. Mas trouxe a boa disposição que a caracteriza, tanto a ela como ao marido, o “velho da martelada”, como se auto-intitula, e que é o último fazedor de tesouras de tosquia do país.
Mateus Trindade trouxe uma jeropiga acabada de fazer – não há nada que o capitão não faça, ou não experimente. A mulher, Alcina, trouxe as tradicionais bolachas de sortido – as que Agostinho se lembra de precisar subir às cadeiras e trepar ao topo do armário da sala para tirar da caixa, e abri-las ao meio, para lamber o recheio, “um lado da bolacha de cada vez”.
Agostinho da Silva diz que o encanto do Jarmelo “é sempre o enigma das coisas que vão acontecendo sem estarmos à espera”. E é ser um “território que se transformou ao longo dos séculos, mas que manteve sempre uma certa mística”.
E dá o exemplo da lenda da Inês de Castro e das esculturas em ferro a assinalar a sua história que foram colocadas junto à antiga Casa da Câmara, no alto do Jarmelo. Pêro Coelho, cujo coração lhe foi arrancado pelas costas por ter assassinado de forma bárbara Dona Inês, era natural do Jarmelo. Diz-se que D. Pedro mandou arrasar a então cidade.
“O principio da nossa desgraça foi a morte de Inês de Castro. No entanto, parece curioso, vivemos este episódio que nos foi contrário com algum carinho também. Porque também percebemos que isto nos traz ao território uma paixão, um romance, uma envolvência que também é importante. Não vivemos amargurados pelo episódio da morte de Inês de Castro, antes pelo contrário; até fazemos disso um grande alarde e uma grande vivência”, diz o ex-presidente da Junta.
Fazer alarde e provocar grandes vivências é o passatempo preferido de Agostinho da Silva. Contador de histórias nato, os 15 anos de educação religiosa, e os muito mais anos de militância cívica e dinamização cultural, fazem dele uma personagem aglutinadora. Que entretém e se faz ouvir. Tem muitos familiares a viver na Ima, enumera. Está a Isabelinha, sua mãe; estão os Antunes; a prima Conceição; o Manel dos Antunes; o tio Mateus e a tia Alcina; o tio Manel e a tia Céu; e o “Quim do Isidro”. “Metade da população é da minha família. O meu avô teve nove filhos, povoou bastante”, brinca.
Agora a outra metade é feita por população migrante que, garante Paul Afolabi, não quer ir para mais lado nenhum. Karima Javaid explica porquê: “O que mais gosto aqui na aldeia é a relação que tenho com as pessoas. O lugar é tão calmo, tão tranquilo. O amor e carinho que as pessoas nos dão é muito importante”, afirma, num inglês corretíssimo, sempre a pedir desculpa por ainda não ter conseguido aprender o português. “Para as crianças é fácil, mas nós, os adultos, temos já tanta coisa na cabeça”.
Karima recebe carinho, mas também o dá. E para isso não é preciso falar línguas. Quando encontrou a Dona Conceição sentada à porta de casa, num banquinho a apanhar o sol de outono, foi com os filhos sentar-se no chão, ao pé dela. Puseram-se a fazer companhia, a conversar. Há línguas universais. E a maior de todas é a da confiança.
Confiança como a de Odete, que atrás da janela embaciada cedo concluiu que não fazia mal nenhum se Piloto acompanhasse os três forasteiros acabados de chegar à aldeia. O cão, que sobe ao telhado como os gatos, que ajuda a dona com a manada, e que dá as boas-vindas a quem passa, é mesmo o Relações Públicas da aldeia. Mas é o Relações Públicas de quatro patas – que para sorrisos e abraços, estão lá os habitantes da aldeia.
Bárbara Moreira sonhou experimentar em Ima a aldeia do futuro, intercultural e intergeracional. Está confirmado que o Jarmelo, terra de ferreiros, é um bom local para a forjar.
Veja também o guia prático com o que fazer em Jarmelo.
Mais sobre Jarmelo
O que fazer em Jarmelo (guia prático)
Guia com tudo o que precisa saber para visitar Jarmelo, no concelho da Guarda. Inclui o que fazer na aldeia de Ima e arredores – atividades, trilhos e passeios -, onde ficar hospedado, gastronomia e contactos úteis.
Bárbara Moreira, a sonhadora
Bárbara Moreira nasceu e cresceu no Porto, teve sempre uma vida urbana. Mas em 2018, com 28 anos de idade, mudou-se para Ima do Jarmelo para concretizar o projeto LAR, de apoio à integração de migrantes e refugiados. Convenceu os moradores da aldeia a cederem casas e terrenos, fez parcerias e contratos e criou na aldeia postos de trabalho.
Mateus Miragaia, o ferreiro
Mateus Filipe Miragaia é o último fazedor de tesouras de tosquia. Aos 80 anos, o “velho da martelada”, como se auto-intitula, ainda acende a sua forja em Donfins para fazer tesouras. De rosto feliz e gargalhada fácil, foi homem de trabalho a vida toda.
Karima Javaid, a recém-chegada
Ugandesa, casada com um paquistanês, Karima fugiu da violência de Kampala para a Europa, com dois filhos nos braços. Chegou à Alemanha em 2016 e a Portugal em 2019. Em Lisboa, enquanto esperava a regularização, nasceu-lhe mais uma filha. Chegou a Ima, no Jarmelo, em outubro de 2020. Nunca tinha vivido numa aldeia, e agora diz que não quer ir para mais lado nenhum.
Agostinho da Silva, o apaixonado
Professor de artes visuais, sindicalista, ex-presidente da Junta de Freguesia, Agostinho da Silva nasceu em Ima e respira Jarmelo por todos os poros. Ainda não mora lá, mas vai lá quase todos os dias. Envolve-se nas atividades culturais, recriativas e desportivas e foi um dos grandes entusiastas do projeto de acolher migrantes no território.
Odete Antunes, a vizinha
Com 83 anos de idade, Odete Antunes não conhece outra vida que não a de tratar da casa e andar na lavoura, cuidando das colheitas e dos animais. E nunca quis outra. Nascida numa família de sete irmãos, só ela e o irmão Duarte, com 86 anos, escolheram continuar a viver na aldeia. Ela, a trabalhar em casa e no campo; ele na forja, a suceder ao trabalho do pai.